domingo, 28 de agosto de 2011

Chega de conclusões

O problema de escrever conclusões - já no âmbito da metalinguagem - é perder as perdições.
Lembro-me vagamente de estar presa entre paredes rachadas e oscilantes, sem passagem para a luz e o vento. (O vento dá vida às coisas que dançam na força de seu impulso. Ensina-me a fragilidade de minha pele quando o frio se faz sentir. Mostra que nada é estático, nem mesmo o aparente inanimado. O vento é amigo da importância).
Eu estava hermeticamente isolada do espaço e do tempo, as horas já não eram do mundo. Acordava no susto da destruição diária: as paredes iam cair e esmagar minha existência. Meu corpo inteiro era de pálpebra. Minhas costas estavam prensadas contra a cama, que flutuava no espaço, girando.
Meus dedos precisaram ir aos olhos para que as lágrimas percebessem que estavam lá. O vinho é como o medo; eu bebo para senti-lo em mim. Entorpeço-me para sentir o canto da sala como meu espaço de direito. As palavras repetidas formam uma neblina de sentido. Sinto formigas nas costas; elas descem por minha garganta e emudeço na certeza da falta de compreensão. A angústia da defesa à fragilidade é algo que carrego como sujeira em unha de pé.
Quando as paredes quebraram, corri sem poder impedir minhas pernas. Transpus grandes animais mortos, mal cheirosos, que me lançavam na cara o tamanho da mágoa. Meus dedos queimaram no fogo da pólvora, mas eu não conseguia parar de ouvi-los. Queimei no que já era um incêndio. As árvores pareciam-me como um olhar para cima: via o céu. Mas eram a sombra (sobra) no chão. Eram apenas a luz do céu.
Aquela menina que caminhava para longe era de tal serenidade que quase me fez acreditar na possibilidade da sensação. A sensação é puro juízo de gosto. É demasiado meu, quando na prática. Sentir é menos que eu.
As paredes, hoje, impedem que as correntezas se encontrem em união - impedem o manter-se unido. Mas são, ao mesmo tempo, aquilo que segura o exército de águas subterrâneas e o faz perceber que está numa guerra. Todo exército forte precisa de paredes, mas toda parede precisa de portas para que a água possa correr.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Achei que rapaz fosse mais valente, mas o meu se encolhe no canto da sala.
A mãe deixou o bolo inteiro para a filha; bolo engorda.
Debaixo da escada foi o abrigo da filha no grito da mãe: hora de desembaraçar suas tranças.
A mãe olhou a foto na parede: os cabelos eram da filha, mas os óculos eram seus.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A cidade construída em uma depressão


           Estava sentado na praça daquela cidadezinha, num banco meio apodrecido, esperando o dia passar por mim. Meus olhos entorpecidos de algo como sono pós-almoço e noites acumuladas ouviram pássaros gralhando, preferi fechá-los para o silêncio. Há doze horas que você foi embora, e as velhas vísceras que te entreguei em mãos foram contigo. Não sei como viver sem as vísceras que, certa vez, foram minhas. Saí de casa cambaleante de moleza, sem algo que me sustentasse o corpo, e caminhei em qualquer direção que não me deixasse dormir para sempre. Sentei-me no primeiro banco que veio a meu encontro.
A luz do sol esquentava minhas pernas descobertas e gritava: tem sangue dentro de você; mas a vitalidade que me preenchia por dentro já não era vantagem, era um incômodo. Você foi embora há doze horas. Quando desenvolvi uma nova tentativa de enxergar um mundo pálido, uma mulher em tom pastel, quase que revestida de papel pardo, encontrava-se parada exatamente do outro lado da rua, me encarando de perto, como se pudesse entender a cor de meus olhos. Sua expressão seria de serenidade se não fosse, antes, de apatia. Ficamos atados num laço invisível, compartilhando consciências emocionais. Era um recado, que ela queria me passar? Tinha cheiro de recado. Daqueles importantes que vêm poucas vezes na vida. Um recado, naquele momento e lugar em minha vida, era um sopro forte no rosto, como de uma criança apagando vela no aniversário dos amiguinhos.
Quando ela sumiu, notei-me como um ponto de respiração na terra. Todo ponto de respiração carrega suas dores, e então deixei de perceber – não pude me lembrar se algum dia percebi - como o sol me atingia, porque os pássaros gralhavam, de onde vinha aquela brisa rala que só eu conseguia notar em meio ao mormaço do estar isolado numa bolha. 

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Respirei meu corpo para fora. Andei por dentro da chuva. Deixei-me acarinhar pelo calor do sol na minha bochecha. Vi a fumaça subir para o céu. A ópera do movimento.