domingo, 29 de agosto de 2010

Carta pra calhordagem

Todos os dias a saudade arranca partículas de poeira colorida do meu umbigo fragmentado. Dói. Não amamos com o coração, mas também não é com o cérebro. É com o umbigo.

Alheio às palavras ditas, escritas ou sorridas, ouço o pássaro cantando para denunciar a manhã. Estou imerso em aventuras saudáveis pós-realização pessoal e me perguntando até que ponto a madrugada importa - afinal, minha caneta falha. Dormir poderia ser desnecessário, tomando como suspense tantas importâncias em vida acordadas. Quem são essas mentes corrompidas? A tenacidade da linha é tênue. A caneta resolveu colaborar com os neurônios afadigados, enfim. E se todos esses carinhos tão certos de si se auto-germinarem-alimentarem pela carência da falta de mãos? Que mãos, hein? É vermelhidão em pele branca. Não soa real, perdi a confiança, é tudo farsa. Sou mau. Gosto e desgosto assim, quando passa o encanto do desconhecido. Tantos abraços confortáveis... E a veracidade? Enterrada.

O ardor dos olhos só existe quando fechamo-nos pro conforto.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Moinho

Não existem palavras suficientes. Para o céu e o frio, para as sensações subalternas que se escondem por baixo de nossa espessa carne, palavras são toscas. As diferentes cores da água em movimento, a terra grande e o Sol dando-se um abraço físico antes do fim do dia. A luz de Vênus prendendo-se à pós-noite. O vento, fragmentos musicais alcançando o sonho, visão do mundo através do líquido sólido. Às vezes os carinhos e o revira-olhos sonambolizam de forma despertadora.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Self Portrait

Sou irrequieta. Movo-me na velocidade da luz. Na convivência, sou o novembro. Inatinjo, ao vento. Os sonhos são a realidade, cuja relevância é dúbia.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Falta. A inconveniência dessa maldita nunca fez tanto sentido e nunca se fez tanto sentir. Grudou como um adesivo em carne, que arrancado desprende também a pele do meu corpo. Acorrentei-me a dias com quarenta horas.

domingo, 1 de agosto de 2010

Lembrar

Tomei nota: "Jamais esquecer-se da importância". Colei o post-it na parede, sentei-me numa cadeira não tão confortável e reli as palavras cuidadosamente escritas pelo lado organizado do meu cérebro. Fui ao banheiro, muito embora soubesse que nem sempre devo me livrar de meus incômodos. Voltei com o caderno vermelho em mãos, abri numa folha amarelada avulsa, escrevi com caneta tinteiro.
"Não devo ter medo das substâncias amorfas que me fazem esquecer o trabalho. Não posso me entregar ao ceticismo de tal forma que especulações terrivelmente potenciais se afugentem na inibição. Tudo deve ser questionado, sempre somar empirismo à carga cósmica do desconhecido. Não fugir de tristezas profundas, melancolias reveladoras, rios furiosos. Sofrer efeitos, me agarrar ao tronco mais próximo. Não temer transformações, não me entregar à felicidade da calmaria. Sorrir incondicionalmente, de acordo com as condições. Aprender a linguagem do inconsciente não para decifrá-la, mas para me juntar a ela. Enxergar mini-fiapos com a pele, sem tateá-los. Permitir a vibração do terceiro olho. Não desistir de pintar-me, explorar as cores que me fazem tela. A redundância é recurso da memória."
Após alguns segundos de olhos desfocados, larguei o caderno aberto em algum lugar imaterial e fui com a certeza de que às vezes preciso ser um ordinário repetitivo existencialista.