O ser humano protagonista abre os olhos. Vê um parque colorido num tom meio pastel, algumas pessoas suavemente turvas passando ao longe, mas sorrindo. Anda um andar calmo, quase flutuante. Chega a uma ponte, olha para baixo, há um riacho passando tranqüilo. O barulho da água corrente supera a música ou se mistura a ela com a mesma intensidade. O ser humano que observa presta atenção no movimento da água. Vê as sombras de alguns peixes nadando por debaixo dela. Pisca. O ser humano vê um menino sentado na terra, embaixo de uma árvore, comendo uma melancia. Tudo é rústico, lembra uma fazenda. A melancia pinga, o ser humano se aproxima, os olhos se aproximam das gotas que caem e melam a mão do menino que come. Acompanham o movimento de uma gota, que escorre pela melancia, se desprende dela e vai caindo até atingir a terra. Pisca. O ser humano está olhando para outro, uma moça, bem perto dele. A moça tem olhos tristes, olhos chorosos, uma lágrima desce por sua face esquerda e passa por cima de suas sardas. O dedo do ser humano protagonista se ergue, enxuga as lágrimas e depois se aproxima de seus próprios olhos. A água das lágrimas molha o dedo do ser humano protagonista. Transição. A imagem da moça é o segundo plano e o dedo molhado é o primeiro. Pisca. Os olhos se abrem para um mar infinito, intimidante, calmo e movimentado, sereno e poderoso, bonito. O mar é num tom de azul-escuro-meio-cinza, o barulho forte de água agora mistura-se novamente à música, emocionante e variável. Ao fundo o barulho das gaivotas e ao longe um bocado delas sobrevoando o mar. O ser humano protagonista-observador olha, então, para seus próprios sapatos na areia - cuja superfície voa suavemente para a direita pelo advento do suposto vento representado em detalhes -, marrons, com cadarços finos e simples. Um cadarço está desamarrado, ele amarra. Pisca. Os olhos abertos vêem um gato branco manchado de cinza sentado no chão, encarando o observador. O gato sai para a esquerda em direção ao pote também branco. O ser humano observador se aproxima do gato, vê sua pequena língua se movimentando em direção ao pote, bebendo a água dentro dele. Algumas gotas respingam para cima, o gato está de olhos fechados e com uma possível expressão de serenidade e satisfação. Pisca. Os olhos abertos logo se semicerram. Está chovendo. O ser humano não corre, caminha pouco rápido. Sente sua respiração e o barulho dos seus passos na calçada. É uma fuga urbana, mescla de calçada, rua e árvore. É à noite. A iluminação dos postes deixa as árvores verde-escuras com pontos de luz laranja. O ser humano, ainda caminhando pouco rápido, levanta um pouco a cabeça e observa a chuva caindo do céu. Olha para a luz do poste e vê os pingos laranjas passando rápidos e caindo nas folhas volumosas. As árvores têm aspecto de molhadas e vivas. Quase atingido por um pingo que vinha em sua direção, pisca. Vê uma pia branca de banheiro com uma torneira ligada forte, a água está escorrendo num fluxo grande. O ser humano observador apóia as mãos na pia. Seu olhar se aproxima da água corrente e faz, com ela, o percurso. Focaliza primeiro a boca da torneira e vai descendo, junto com a corrente, mais devagar. Atinge o ralo da pia, olha um pouco mais de cima. A água desce pelo ralo, em seu típico movimento circular. A música altamente intensa é abruptamente interrompida. Desmaio. Os olhos se arregalam, acordando num susto. O ser humano vê que se encontra num campo marrom-meio-cinza, numa terra com poucas plantas apenas em galho vivo. Os olhos fazem uma panorâmica e vêem o horizonte de um céu branco. Não há azul, os tons pastéis estão mais cavernosos e sombrios. Música agora pouquíssima e melancólica. Não há vida; só há, ao fundo, um som constante de descoberta e de solidão. Pisca. A pia branca, a torneira aberta e a água escorrendo num fluxo forte. As mãos do ser humano observador se movem em direção à torneira, sempre muito lentamente. Fecham a torneira com convicção, com força. O ser humano ergue a cabeça e se vê no espelho sobre a pia. A feição dele, de um homem mais velho, pouco importa. O importante é ressaltar bem seus olhos verdes-meio-mel, tristes e comedidos. Estão pesados, cansados, velhos, mas certos. Brilham de marejados para, então, fecharem-se com força. Fim.
quinta-feira, 10 de março de 2011
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Um comentário:
você pirou de vez. pra que conste nos autos
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