Transparente com uma espuma suspeita no topo. O copo transpira. O líquido agora compõe menos da metade do recipiente. Levo à boca. Não está gelado, não está quente, está agradável ao toque. O paladar me chama, o gosto é doce e cítrico. Concentrado. Meus dentes passam por uma sensação engraçada, como se a fruta grudasse neles. Engulo devagar, propositalmente, para apreciar. Deposito o copo de vidro na mesa, o branco da espuma suspeita desce lentamente até alcançar o restante do líquido. Fico a reparar e pensar.
Esse gosto me trás sensações e lembranças. Lembranças de uma época em que eu sabia aproveitar. As coisas não costumavam passar por mim despercebidas, não senhor. E quando digo coisas, digo todas as coisas. Céu, terra, flor, pássaro, besouro. Homem, mulher, criança, idoso, mendigo, ricaço. Aquilo que meus olhos captavam. Tudo que eu tocava tinha algum sentido. Costumava observar os relevos, as superfícies, as curvas. Era muito curioso, aquilo. Perguntas incessantes, sim, eu costumava tentar descobrir de onde vinham aquelas coisas. Os sons não me escapavam, até os mais rotineiros, até o tic-tac do relógio. Pra mim, algum sentido tinha que fazer. O cheiro das coisas, aquela particularidade. Porque cada coisa tem um cheiro diferente? Tentava descobrir o que era aquele cheiro, de onde ele vinha. E o gosto, ah, o gosto. Essencial. Nada pra mim tinha o gosto ruim, apenas um gosto. Único e surpreendente.
As coisas precisam de um porquê. Mesmo que este não seja respondido nunca, é necessário que exista. Às vezes me pegava olhando para o mundo, e pensando no porquê. Um porque sem porquê.
Hoje, não sei mais de porque nenhum. O Sol nasce, dia começa, o dia passa, a Lua se põe, o dia acaba. O menino passa, eu toco a porta, eu ouço buzinas, eu cheiro lixo, eu tomo água, o Sol nasce, o dia começa, o dia passa, a Lua se põe, o dia acaba. E o porquê... Ahn, pra que porquê? É mais prático assim. Nunca aprendi a regra dos quatro porquês, tenho preguiça deles.
"As pessoas mudam. Estão em constante mudança". Levanto, pego o copo, ando, chego à cozinha. Num movimento brusco, lá se vai o líquido transparente pelo ralo da pia.
Esse gosto me trás sensações e lembranças. Lembranças de uma época em que eu sabia aproveitar. As coisas não costumavam passar por mim despercebidas, não senhor. E quando digo coisas, digo todas as coisas. Céu, terra, flor, pássaro, besouro. Homem, mulher, criança, idoso, mendigo, ricaço. Aquilo que meus olhos captavam. Tudo que eu tocava tinha algum sentido. Costumava observar os relevos, as superfícies, as curvas. Era muito curioso, aquilo. Perguntas incessantes, sim, eu costumava tentar descobrir de onde vinham aquelas coisas. Os sons não me escapavam, até os mais rotineiros, até o tic-tac do relógio. Pra mim, algum sentido tinha que fazer. O cheiro das coisas, aquela particularidade. Porque cada coisa tem um cheiro diferente? Tentava descobrir o que era aquele cheiro, de onde ele vinha. E o gosto, ah, o gosto. Essencial. Nada pra mim tinha o gosto ruim, apenas um gosto. Único e surpreendente.
As coisas precisam de um porquê. Mesmo que este não seja respondido nunca, é necessário que exista. Às vezes me pegava olhando para o mundo, e pensando no porquê. Um porque sem porquê.
Hoje, não sei mais de porque nenhum. O Sol nasce, dia começa, o dia passa, a Lua se põe, o dia acaba. O menino passa, eu toco a porta, eu ouço buzinas, eu cheiro lixo, eu tomo água, o Sol nasce, o dia começa, o dia passa, a Lua se põe, o dia acaba. E o porquê... Ahn, pra que porquê? É mais prático assim. Nunca aprendi a regra dos quatro porquês, tenho preguiça deles.
"As pessoas mudam. Estão em constante mudança". Levanto, pego o copo, ando, chego à cozinha. Num movimento brusco, lá se vai o líquido transparente pelo ralo da pia.