quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Nada

Estava com sede e bem longe da terra. Meu chão tremia e fazia consigo tremer uma grande quantidade de informações que adoravam brincar de roda. Minhas pernas sentiam dores existenciais e provocavam, assim, a necessidade de fluxos de pensamento existencialistas para ocupar o lugar de minha insignificância. As ruas extrapolam-se em número e meus sonhos aflitos estão apenas num ínfimo ponto de luz da incontável imensidão.

Absurdo

Já nem sei mais como sentir diferente. O preto está verde e o céu está branco. As nuvens estão planas e o plano é outro. O universo parece estar consumindo a terra, agora, só para enfeitar-se de roxo. Se tudo isso for água, então água é tudo que sou eu também. É difícil de acreditar que bebo, todos os dias antes de dormir, as nuvens do céu.

Um menino descalço acordou rodeado pelo conteúdo do copo que bebia. Estava numa quase representação do nada, mas, no fundo, sabia que aquilo era tudo exceto nada. Era a vida dele, de seus pais e irmãos. Era Fred, seu cachorro, e a namorada dele. O peito do pé do menino afundava nos algodões porque ele não aceitava sua textura original e pré-designada. Não aceitava que o branco fosse líquido e que o líquido flutuasse. Flutuou, então, o próprio garoto, que era tão líquido e azul quanto um pássaro ou um dia que amanhece. Ali, a quantidade excessiva de cargas positivas do mundo concreto não podia lhe atingir com seus corredores de plástico. O horizonte é que nunca ia sumir.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Ser

Havia uma moça no mundo. Uma única moça como aquela que vi passar naquele dia específico e inidentificável no tempo. Sua aparência não é relevante, mal me lembro a cor de seus cabelos. Não consigo me esquecer, porém, de como seus pés caminhavam verdadeiramente pisando nas pedras do chão, sem medo de sentirem-nas incomodar. Jamais deixarei de me recordar da forma como suas mãos, com leveza, pareciam tomar o lugar do vento, armazenando-o nas palmas apenas para contrastar o frio com o quente. Sempre terei como pronta a maneira com a qual ela jogava seus cabelos para trás sem tirá-los por inteiro do rosto, somente para que a textura de sua natureza não atrapalhasse seu encontro com o ar. Cheguei a pensar que fosse cega ou surda. Mas não, seus olhos simultaneamente fugazes e irresolutos captavam todos os movimentos do mundo. Seus ouvidos absolutamente atentos gateavam os sons da rua. Não sorria, parecia encontrar-se num estado atordoado de absorção. Não parecia poder acreditar na existência de seu corpo, humano, frágil e rígido. Não preparou-se para existir, e quando se viu existindo, perdeu o controle. Estava, então, num descontrole totalmente harmônico e delicioso. Atônita, linda, única por ser ela mesma num mundo em que ninguém mais se era.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Delírio

Alguns dias têm o Sol invisível. Alerta, constante, presente e vivo, porém desfigurado e deformado. 

O homem calvo levantou-se a pensar "amanhã será um bom dia", e o amanhã não alcançou o hoje. Passando o pente pelos braços, viu no espelho o reflexo de uma luz. Olhou para cima, viu um inseto, só. Sozinho. E viu-se no pequeno ser, que simplesmente era pelo teto do banheiro. 

"Existir não deveria dar tanto trabalho", lembrou-se de lembrar. 
"Estar sendo, apenas". Parecia uma ótima idéia. É falta de respeito desaprender a arte da auto-suficiência.
"Onde estão meus cabelos?", questionou-se. 
"Lá nos quinze anos...", esqueceu-se. Naqueles dias iluminados e quentes de sorrisos fáceis e gramas de tão verdes quase azuis. 
"Agora minha cabeça reflete uma lâmpada de banheiro", inconformou-se. 
"Ai, esses dias de aprendiz de violino...". Dói nos órgãos vizinhos.

O homem voltou-se para a grande e aberta janela de uma tentativa de sala de estar. Recordou-se daquela bola mágica que o velho tarólogo de olhos aquosos havia lhe dado. "É para refletir a luz do dia", intencionou o velho.