terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Lullaby

Se dependesse de mim, essa história seria somente sobre pessoas. Duas pessoas indefinidas, seres humanos quaisquer transeuntes desse mundo peculiar. Mas, infelizmente, palavras são necessárias, e, dentre elas, pronomes pessoais. Impossível contar alguma coisa concreta sem eu tu ele nós vós eles misturados nos verbos, adjetivos, advérbios e em todas as outras classes gramaticais.
O começo é o mais difícil, especialmente quando não se sabe ao certo onde ele se inicia. Existem algumas coisas que simplesmente acontecem antes de nos darmos conta delas. A adrenalina do desconhecido amedronta, assusta, afasta, faz as decisões próximas cambalearem, hesitarem, as ações são executadas num escuro incerto, sem prever reações.
Daí ela se arriscou. Fez o que todos devem fazer sempre, em todos os momentos. Tudo seria nada se não houvessem riscos. Num ato precipitado (ou não) e corajoso, expôs-se. Expôs certamente uma confusão de sentimentos obscuros que lhe lotavam e lhe confundiam. Não existiu uma reação verdadeira, assim como não existe nada verdadeiro. Mesmo se existisse, ela jamais saberia.
O tempo faz coisas crescerem e encolherem, ou um dos dois, ou ambos. Expectativas idiotas, e não só elas. Conversas, caminhadas, olhares, blá blá blá. Palavras enganam, sons enganam, tudo engana. Não necessariamente de uma maneira proposital, mas acabam se tornando daquele tipo de coisa. Sem culpa, sem raiva, com mágoa.
Afastar pensamentos é fácil quando não se está sozinho nunca, mas sentimentos não podem ser afastados assim. À noite, quando todos dormem, seus olhos costumam lacrimejar. Uma possível decepção e saudade de tempos remotos e de coisas que existiram somente na sua cabeça manifestam-se, e a insônia lhe impede de aventurar-se por seus vacúolos temporais. Não é simples assim.
Segue-se uma mentira e força-se uma verdade, alguma coisa dentro dela mesma dando pontapés leves que vão, mais cedo ou mais tarde, lhe derrubar no chão duro. A teoria do caos prevê resultados diferentes se olhos tivessem sido fixados uns nos outros. Mas não foram, e não há como mudar fatos ocorridos.
Sua amiga é a aceitação.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Eterno

e t e r n o
e t e r n o
e t e r n o
e t e r n o
e t e r n o
e t e r n o
e t e r n o
e t e r n o
e t e r n o
e t e r n o
e t e r n o
e t e r n o
e t e r n o
e t e r n o
e t e r n o
e t e r n o
e t e r n o
e t e r n o
e t e r n o
e t e r n o
e t e r n o
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segunda-feira, 17 de novembro de 2008

[Insira aqui]

Lá estava ela, sentada no banco da praça dos amores. Era domingo, e sua cabeça girava. Andava deveras chateada. Tudo que via quando olhava ao redor era uma ambição desvairada que cegava. Provocou transformações enormes e prejudiciais, que desviaram o importante. Supriu o amor e a inocência da pureza de um ser vivo, tendo o humano transformado todos os seus semelhantes em robôs, tirando-os do seu estado de admiração pelo todo.
Encarou a pedra à sua frente. Era uma pedra, tinha o nome de pedra, a ela foi dado esse nome pelos seres humanos. Mas... Ainda assim, era algo desconhecido. As pesquisas científicas não comprovavam nada sobre aquela pedra. Não veio da cachoeira que ali existia antes de construírem uma praça. Ninguém sabe de onde ela realmente veio.
Olhou ao redor, percebeu todas as cores que seu organismo lhe permitia enxergar. Será que eram todas as que ali estavam? Seu mundo interior podia enganá-la. As capacidades físicas e psicológicas do ser humano eram limitadas. Sentiu-se, então, insegura e surpresa, simultaneamente. Estava sentada no desconhecido, cercada pelo desconhecido, por mágica, por amor, pelo impossível. Pelo tudo, pelo nada, pelo nunca, pelo sempre, pelo finito e pelo infinito, se é que todos esses conceitos existem. Pensou em fadas, em duendes, em monstros, em seres de outros planetas, de qualquer lugar, em objetos e criaturas indefinidas. Criou imagens dentro de sua mente, e percebeu que eram reais, porque ela as havia imaginado. Coisas com vida, coisas sem vida, coisas com ambos, coisas que, de repente, nem coisas eram mais.
Decidiu, naquele instante, que deveria questionar e deixar de questionar. Sua mente não é capaz de tirar conclusões. Deixaria de duvidar do que seus sonhos, suas fantasias, suas alucinações lhe dizem que existe. Deixaria de acreditar que seus sentidos limitados e humanos lhe proporcionavam tudo. Havia mais. Faltaram-lhe palavras.
Ao mesmo tempo, admirava-se com a hombridade e simplicidade da complexidade. O Sol estava ali, grande e brilhante, e era lindo. E todas aquelas coisas que ela sentia, que a lotavam, que a dominavam, se manifestavam atrás dela. Aquelas coisas bonitas, todas elas, as ditas más, as ditas boas, eram inexplicáveis. O nomeado amor, sentimento que rege a vida, o mundo, o universo e o interior de cada uma daquelas criaturas, resumia todas sensações em uma só. Coisas que manipulavam seu consciente, a impediam de ser racional, de agir de acordo com o senso individual ou comum (não se sabe mais), descontrolavam-na. Não reprimiria mais nenhum deles.
Levantou-se do banco, sentiu cada músculo do seu corpo se movimentar, e os raios de sol atingindo sua pele. Sentiu seu suor, seu cheiro, seus olhos piscarem, o gosto da sua boca, o ar que respirava saindo e entrando no seu pulmão. Intensidade.
Tudo que lhe cercava, que estava dentro de si, o psicológico, o criativo, o sentimental. Todas as coisas físicas, cada matéria, cada ser, a individualidade. O mundo e o que estava além dele, e além do que está além do mundo, e além disso também. Sem definições, sem restrições, sem sociedade, sem mediocridades racionais que congelaram os corações do homo sapiens. Tudo era inexplicável, questionável, admirável, mágico, de uma beleza inequiparável.
Tudo era, ali, naquele instante, naquele momento, surreal.

sábado, 15 de novembro de 2008

Suprasumo

Alguns tipos de som parecem nascer com um poder mágico. Ao ouvi-lo, seu sistema sofre uma modificação, seu corpo sente coisas inimagináveis em estado habitual. Os sentidos, se não se apuram, param de funcionar; a voz não chega à garganta, some, te abandona; o coração palpita, acelera-se; milhões de sentimentos diversos e aleatórios lotam a alma; os pensamentos, quando não se dão por falta completa, parecem sofrer multiplicação a todo instante. Você quer fazer todas as coisas possíveis, e, simultaneamente, quer ficar ali parado, sem mexer um músculo sequer. As manifestações exteriores dessa explosão interior são muitas. Segurar lágrimas numa situação dessas é quase impossível, assim como impedir uma dor de cabeça enorme. Seu corpo parece ser feito de pedra, fica pesado, mais denso, irreconhecível. As expressões são vagas e significativas ao mesmo tempo, sua pele sofre arrepios involuntários por toda sua extensão. A vontade de deixar o transe desse estado é nula. É uma fuga do real, e ainda assim, mais real impossível.
Outros tipos de manifestações provocam sensações diferentes, mas de origem similar. Palavras, imagens, cenas. Algo que está em toda parte, nas árvores, nos animais, nas pessoas, nos objetos, nos lugares, nas paisagens, nos momentos.
Nem todos os seres humanos são capazes de enxergar. People are born the same, but die different.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Big my secret

Possui uma pureza única e fascinante. De corpo, mente, espírito e alma.

sábado, 25 de outubro de 2008

Big my secret

O mar sussurrava segredos e o vento cortante sibilava ao pé de sua orelha. Ela sentou-se na rede, na varanda, a noite estava propícia. Uma agonia interior a fez suspirar e fechar os olhos. Seus sorrisos costumeiros desapareceram. Ali, ninguém podia vê-la.
Era doído. Sempre se conteve, sempre escondeu, sempre tentou negar. Mas dessa vez era tão forte e tão insistente. Jamais a sentiria por perto, não a conheceria, não saberia como ela realmente é por trás de todas aquelas máscaras inconvenientes. Isso, seja lá o que for, que nos mantém acordados nesse sonho intenso e maluco, está por toda parte, dentro de todo ser e todo espaço. Apertou os dedos, angustiada. Queria que as coisas passassem e estagnassem ao mesmo tempo. Uma lágrima silenciosa escorreu por sua face. Nada fazia sentido. Ele nunca saberia, ela não ia permitir que isso acontecesse. Reprimiria aquele sentimento estúpido para toda a eternidade, até que se esvaísse com o tempo e a distância de quem toma caminhos diferentes. Seria ridículo demais, como todas as outras vezes foi.
A imensidão azul não contaria. Podia admitir pra si mesma, pôr para fora esse peso que carregava consigo desde então, desde o momento em que seus olhos se encontraram numa esquina qualquer, numa semana qualquer de qualquer mês. Aliás, faziam bastantes meses. Sentia-se sufocada, imaginava coisas. O queria ali, naquele momento, do seu lado, apertando forte sua mão. Ilusões.
Tentando preencher o vazio que ocupava uma parte imprecisa de seu corpo, desviou seu pensamento para outras pessoas. O foco se distraia, mas o coração não. Imagens dos dois corrompiam seu sono.
Soltou os cabelos ferozes e encaracolados e encarou o horizonte. Chega. Basta. Odiava aquele sentimentalismo mórbido e asqueroso. Desconfigurava a força tamanha que tinha para enfrentar situações. Não queria mais se lamentar. A aceitação era sua amiga.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Temos todo o tempo do mundo?

Era noite e o jantar estava na mesa. Alicia, sem motivos nobres, fez seu prato e sentou-se, servindo repolho com pimenta e suco refrescante de melão. Um silêncio constrangedor a cercava, interrompido apenas pelo tilintar dos talheres batendo nos pratos e os ruídos da saliva que encharcava o alimento. Sem saber por onde começar e sem o menor impulso por fazê-lo, Alicia acomodou-se à situação e tratou de comer depressa, como sempre faz. Repentinamente, sua mãe falou.

- Vocês não sabem o que aconteceu hoje.
- Hm?
- Eles me apoiaram na minha decisão, sabe. Por incrível que pareça.
- Isso significa que a gente vai embora, mamãe?
- É isso aí.
- Hm... Acho que na verdade eles não ligam muito.
- Ah, mas você sabe, era sempre aquele mesmo discurso negativo. Eles ficavam interferindo.
- É...
- Que bom querida, posso ir adiantando os papéis.
- Graças a Deus. Queriam que eu morresse aqui.
- Morresse?
- É, morresse.

Alicia já tinha terminado de comer há séculos, mas continuou ali, parada, absorta. "Morresse", ela disse. Imagens brotaram em sua imaginação de uma senhora muito velha deitada numa cama, despedindo-se; dela mesma atravessando uma rua e sendo, de súbito, atropelada; de seus amigos levando tiros certeiros. Sua família continuava matracando, mas ela não queria ouvir. Tudo aquilo não importava. Não importavam as reclamações, não importava a chuva ter molhado seu cabelo recém-lavado, não importava a perda da sua lapiseira nova, as brincadeiras infantis daqueles que lhe cercam, a perdição da humanidade, o fim próximo e certo do planeta. Naquele momento, nada disso importava. Havia outro fim próximo, mais próximo ainda do que a destruição do mundo.
A garota levantou-se, pôs o prato na pia. Foi caminhando por toda a casa, escancarando todas as janelas. Ligou um som muito alto com uma música inspiradora, começou a saltitar e tocar nos objetos pelos quais passava. Desceu as escadas e parou por um instante, pensativa. E então, sem mais hesitar, sem mais delongas, correu, correu como o vento, e saltou de um salto fenomenalmente empolgante. Dentro de segundos estava imersa dentro d'água e de suas próprias conclusões. A decisão foi mais simples do que muitos imaginam ser. Simplesmente mergulhar, mergulhar com força naquilo que, sem cerimônia, será tomado de você a qualquer instante.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Minding too much
Or too less
About what's wrong.

Having to mind about sillyness
All idiotic

All full of love and hate
Desire
No
Love
No
What?

Selfish life.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Rápido estado de mim mesma

Era quase noite, algumas estrelas já tinham aparecido no céu borrado de laranja e a lua sorria de um sorriso muito amarelo para os que a espectavam de baixo. O dia estava abafado, nem uma leve brisa sequer contornava meu corpo suado para aliviar o calor costumeiro de uma cidade interiorana. Eu caminhava tranquila pelas ruas desertas cantarolando uma das diversas músicas que estavam na cabeça. Olhei para o lado e vi um gato preto assustado, que, ao me ver, fugiu sem hesitar. Aquilo me fez perceber onde eu estava, que horas eram, quem eu era, naquele momento preciso da história. O milhão de pensamentos que infestava meu cérebro há dias resolveu despertar, uma sequência de idéias e sentimentos me ocorreram. Passei por um bar lotado de pessoas bebendo e fedendo a sedentarismo. Quando me aproximei da minha casa, faminta, calorenta, vi que minha mãe estava por ali conversando com o vizinho. Então, fui obrigada a fazer contato com outro ser humano, e, no segundo seguinte, aquele estado de mim mesma havia desaparecido e só havia de voltar sabe-se lá quando.

domingo, 21 de setembro de 2008

Comptine d'un autre ete: L'apres midi

I can’t see the sunshine.

Passam, sem reflexo, os dias
Nuvens em movimento
Imperceptível
Aparente estaticidade

Deitada, trancada
De costas, de frente
De um lado, do outro

Correndo, morrendo, dormindo
Sorrindo?
Cantando, mentindo
Cansando

Os dedos leves tocam
A pele
Inconscientes

Falta, metade vazio
Furado, quebrado
O relógio

Olhos revirando ao som
De qualquer coisa
Boca contraída ao som
De risadas infundadas

Palavras poucas
Gélidas
Sem braços estendidos

Pensamento lá longe (em você)
Ou não
Pensamento bem aqui
O deles não

Sol entrando pela
Janela do vidro
Quebrado, o vidro

Mãos apóiam
A cabeça vazia
Cheia
Metade vazia, metade cheia

Desejo
Incapacidade
Socorro. Fogo! (?)

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Metáfora para Frutas

Era sábado. Para Cris, sábado foi o dia escolhido por Deus para fazer feira. Comprar legumes, verduras, frutas, e coisinhas saudáveis a mais. Tendo isso explicado, deduz-se onde estava Cris: sim, na Frutaria.
Caminhava por entre as sessões variadas da loja e vez em quando catava alguma coisa nas prateleiras e jogava pra dentro da cesta. Chegando ao departamento que nomeava o local, foi escolher primeiro as verduras e os legumes. As verduras e legumes nunca o faziam sofrer, a decisão era sempre fácil, nada muito complexo. Uma cenoura, uma cebola, um pepino.
Andou mais um pouco e alcançou a sessão mais adiante, onde estavam as tão requisitadas frutas. Essa era a parte detestável da coisa. Cris amava frutas, vê. Mas era um rapaz com um nível elevado de indecisão. Amava-as tanto que demorava séculos para escolher qual delas queria levar. Hoje, sabia que optaria por algo mais comum. Suas frutas costumeiras eram exóticas, normalmente pêssegos, jamelões, carambolas. Mas essas frutas diferentes levavam-no a pensar sobre mil e uma coisas, e isso não era bom, porque pensar é sempre ruim, feio. Portanto, hoje Cris queria uma laranja, ou talvez uma maçã, sem nada de especial, nada a ser analisado, nada que o faria ligar o botãozinho do seu cérebro.
Raquítico, anêmico, o moçoilo fadigou até as maçãs. Parou frente a elas. Representavam para ele coisas diversas. Vermelho era uma cor multi-uso. Primeiro: o vermelho que os seres humanos veêm, provavelmente não é o mesmo que os cachorros veêm. A concepção que os humanos têm de vermelho conceitua coisas que fazem parte do seu mundo conhecido, seja ele interno ou externo. Para os mais românticos, que enxergam em tudo e em todos uma pitada daquele sentimento mágico, vermelho representa o amor. Amor esse que falta dentro de muitos, os quais são preenchidos por um sentimento oposto e costumam fazer derramar um líquido vermelho que circula pelos seres vivos, tirando-lhes algo insubstituível ou presenteando-lhes com cicatrizes físicas e psicológicas. As maçãs são quase redondas, lembram um pouco o mundo. Um mundo vermelho e mágico, infestado por pequenas sementes dentro de si, dentro do seu sistema, nenhuma delas igual, mas todas muito semelhantes. Sementes que apodrecem dentro da maçã, provocando o apodrecimento de todo o resto. Cris nunca havia visto uma macieira na vida. Isso sempre o levou a pensar que talvez elas não existissem, fossem um mito, uma lenda. Mas se não existem, então de onde vem as maçãs? Essa pergunta não é feita por muitos. Não, a maioria não liga de onde a maçã vem, apenas dá-lhe uma mordida. Cris mordia a maçã, amava o gosto da maçã, mas queria saber o que é uma macieira, onde está essa macieira, se as maçãs realmente vêm de uma destas, ou se nascem do chão e a macieira é só uma história de ninar que alimenta essas "respostas" que muitos procuram. E fica por isso mesmo.
O rapaz deu uma sacudidela na cabeça. Seus pensamentos comiam seu cérebro, gritavam. Resolveu mudar de fruta, procurou pelas laranjas. Elas eram laranjas, e não vermelhas, o problema não iria se repetir.
Encontrou-as, organizadas (lê-se jogadas) numa prateleira. A população de laranjas era enorme, a prateleira mal podia sustentá-las, era como se fossem hermafroditas, se auto-fecundassem, ou realizassem divisão meiótica instantânea. Estavam superlotando a prateleira, era claro que logo esta iria despencar. Laranjas lembram o Sol, redondo, com cores quentes. O Sol é luz morta, mesmo parecendo incansavelmente vivo. Pertence ao misterioso e infinito universo, que fascina. Universo cheio de outras luzes mortas, outros trilhões de galáxias e zilhões de planetas, onde certamente deve haver outra espécie maior do que os humanos. A humanidade é um simples piscar de olhos, insignificante, mesmo que não insignificante pra esse mundo. Tem a capacidade de descascar uma laranja, tirar dela toda sua superfície, devastá-la, apenas para explorar seu gosto, comê-la. Destrói toda a beleza natural da laranja para desfruto próprio. A casca, quando fora desta, forma um espiral, que por sua vez lembra mudança, buraco, seja este negro ou branco. Se negro, um redemoinho que suga e joga pra dentro do planeta. Se branco, uma mola que impulsiona e joga para o espaço. Ou vice-versa. Laranja parece uma bola de basquete, Cris não gostava de basquete. Não fazia sentido para ele. Pessoas correndo atrás de uma bola para jogá-la numa cesta, brigando por ela, morrendo por ela. Uma bola maciça, cara, que proporcionava aparente poder àquele que a possuía. E poder, do ponto de vista humano, é tudo.
Cris fechou os olhos. Sua cabeça latejava. Não! Por quê? Toda vez! Frutas não são mais curiosas do que qualquer outra coisa que as cercam, por que justo elas levavam o moço a pensar como se não houvesse amanhã? Pergunta sem resposta. Abriu os olhos, virou-se, deparou-se com algumas pinhas e instantaneamente colocou-as na cesta, mesmo sem saber se as queria ou não.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

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Cérebro. Pensamentos. Consciência. Sub-consciência. Id. Complexidade. Conceitos. Ser humano. Sociedade. Sistema. Hierarquia. Princípios. Hegemonia humana. Mecanismo. Idéias. Niilismo. Ciência. Filosofia. Psicologia. Sociologia. Astrologia. Ecologia. Pessoas. Globalização. Empirismo. Relações humanas. Origens. Fenômenos. Possibilidades. Explicações. Definições. Características. Adjetivos. Capacidade. Perguntas. Universo. Fenômenos. Corpo. Alma. Mundo. Natureza. Simplicidade. Vida. Amor. Espiritualidade. Cosmo. Sensações. Sentidos. Sentimentos. Puritanismo. Intensidade. Percepção. Mundo interno. Visões. Vontades. Sentidos. Subjetivismo. Sonhos. Fragmentações. Cores. Individualidade. Cinema. Música. Fotografia. Teatro. Desenho. Palavras. Línguas. Momentos. Comunicação. Expressão. Emoção. Carpe Diem.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Paralisação

Doze horas após se pôr, o Sol torna a nascer, clareando uma noite interminável de infindada insônia. O despertador toca aquela música que, embora antes soasse agradável e inspiradora, agora é um incômodo - anuncia a hora de despertar para uma nova repetição da mesma rotina.
Sente seu corpo cansado e dolorido espalhado pela cama, desejando não ter que sair dali. Com os olhos contorcidos, desfocados, silencia a música e pega um impulso para erguer-se, fazendo um movimento brusco. Vai ao banheiro, realiza todas as atividades roboticamente. Veste-se de qualquer jeito, com as roupas habituais, calça o mesmo tênis de sempre. Come rápido, sem prazer, quase que não utilizando o paladar. Passa maquiagem como se fosse uma máscara que pudesse esconder a realidade de sua expressão sonolenta. E claro, perfume, para que possa agradar aos narizes dos outros mesmo estando completamente desagradável.
Liga música, as mesmas de costume, tão repetidas que já não surdem mais o efeito esperado. Caminha com a cabeça baixa, sem olhar o céu, sem escutar o canto dos pássaros e sem observar os possíveis tucanos que eventualmente aparecem a essa hora da manhã. Chega ao destino, desliga a música, entra no recinto. Não presenteia ninguém com bom dias, beijos ou abraços, apenas um "oi" ligeiro. O sino bate, o dever chama. Entra, acomoda-se numa dura e desconfortável cadeira e olha para frente. A voz do que fala lhe soa vazia, ecoa em seu cérebro. A tontura de uma noite mal dormida é inevitável, acontece, não lhe permitindo raciocinar como deveria.
O tempo vai passando, vai agüentando como pode, enganando a si mesma e respondendo com quaisquer palavras ao exercício proposto, mesmo sabendo que não deveria. A moleza e a preguiça de um novo dia apoderam-se dela rapidamente, sua atenção volta-se para frases aleatórias, piadas sem graça que mesmo assim lhe arrancam risadas não espontâneas. Seu pensamento volta-se constantemente para aquele no qual não deveria pensar, para aquele pelo qual trava uma luta interna com sua alma e cérebro tentando deletá-lo de si.
Chega o fim. O calor a faz transpirar e soltar alguns ruídos de reclamação. A caminhada é curta, mas mesmo assim parece interminável. Abre o portão pensando no ventilador que a espera dentro de casa. Entra, joga tudo que carrega consigo em cima do sofá. Engole o alimento como se sua vida dependesse da rapidez com a qual termina de almoçar. Liga o aparelho que lhe permite se socializar e conversa com alguns poucos, sentindo sua neurose atacar. Seu corpo lhe implora por descanso, então larga-se sobre a cama tal qual largou suas coisas sobre o sofá.
Planeja acordar logo, ser produtiva, trabalhar, mas era como se seu leito a fizesse prisioneira. Obriga-se, acorda, lava o rosto, sente a pressão abafada e seca do dia pesar sobre sua cabeça. As palavras lidas são digeridas com esforço, mas são. Logo a tarde acaba e ela vai lavar de si toda a repugnância daquelas horas, a morbidez. Liga novamente a tela branca do computador e passa em frente a esta o restante de sua noite, saindo apenas para engolir alimento novamente. Entediada, tenta sentir-se bem e querida, mas não, o ócio é quem manda. Levanta-se, olha-se no espelho, vê uma imagem feia e contorcida, uma imagem indesejada.
Cansa-se de tudo imutável, das pessoas complicadas e egoístas. Do dia que passou, do dia que virá, sabe que serão exatamente iguais. Desliga, escova os dentes, liga o aparelho de som e põe o habitual disco arranhado para tocar. Apaga a luz e espera pela insônia que inevitavelmente virá pegá-la, para que amanhã tudo se repita.
Deixa que a vida passe por ela, mas não consegue fazer-se passar pela vida. Sabe o que precisa fazer, tem tudo de si um pouco de todas as coisas mais bonitas do mundo, mas não as expõe, não as utiliza, não as consume, deixa-as encostadas, feridas, desnorteadas e esquecidas numa parte não importante de si. Sua vontade é suficiente, mas não é nem um pouco cômoda.

domingo, 17 de agosto de 2008

Só há um tempo verbal

Estava apenas andando pelo gramado. Andando, sem propósito. Sem destino. Andando e olhando para frente, ao redor, sentindo cada passo que dava, sentindo o chão ser empurrado para trás com a força de seu próprio corpo, que lhe impulsionava. O céu estava iluminado pela maior estrela do sistema, os seres vivos estavam agradecendo e comemorando a vida, as pessoas estavam fazendo diversos movimentos simultâneos, as nuvens moviam-se lentamente e quase imperceptivelmente. Um sorriso sorrateiro foi inevitável naquele momento. Ali, naquela hora exata, refletiram-se lágrimas.
A sensação era incrível. Preocupações haviam se transformado no poder de observar tudo que acontecia. O sopro do vento, o caminhar da formiga, um raio de sol passando por entre duas árvores próximas, um cachorro defecando, pessoas de mãos dadas, gargalhadas. Haviam, de fato, coisas acontecendo, milhares de coisas ao mesmo tempo, só ali. No mundo, tudo estava acontecendo. Tudo.
Aquele era um dia comum, que no entanto de comum nada tinha. É um paradoxo desnecessário, visto que não existem dias ou momentos comuns. Ele havia descoberto isso agora, nesse momento. Seu coração o dizia, sua mente estava concentrada apenas nos movimentos, no segundo. Não pensava no que aconteceria, no que aconteceu, no que acontecerá. O único tempo verbal que seu cérebro podia reconhecer era o presente.
Só a respiração era necessária, nada mais. Não precisava de tudo aquilo para sentir-se feliz. Era a jornada que o trazia esse sentimento, e não o destino. Ele era o momento, o presente, o agora, o ali. Sorriu novamente.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Cor de céu

Nada mais nada menos do que movimentos. Diversos tipos de movimentos, um distinto do outro, porém todos realizados com o mesmo intuito: transmitir, relatar, expor, notificar, organizar.

Meus olhos encaravam o céu lá fora. Estava azul como de costume, a essa hora do dia. Limpo de nuvens que instigam minha imaginação, apenas um azul muito... Muito azul. Daqueles que te ofuscam, te comprimem, te sugam. Meus pensamentos e minha alma se perderam por ali, como se voassem junto aos pássaros que atravessavam a paisagem. O que estava ao redor não me importava, o imenso me hipnotizava, não conseguia parar de observá-lo. Quase me levava aos outros sentidos do corpo, como se aquele azul tivesse gosto, gosto de um sorvete azul com gosto de azul. E as lembranças iam brotando diante de mim, internas. O céu por fora, as lembranças por dentro, a luz do dia no rosto.
Meus olhos geralmente ficam claros quando iluminados. Eu estava usando um rimel que curvava os cílios. Gostaria de poder vê-los, vê-los através dos de outrem. Essa coisa engraçada provem-nos o privilégio de observar este mundo, e ainda assim... Tolas. É isso que elas são, as pessoas.
Meu alvo era apenas um. Subi no banco para perder o equilíbrio, propositalmente. Cair de uma maneira surpreendentemente forjada viria a calhar. O universo estava a minha frente, esperando por mim. A vontade que tive foi deixar-me ir, soltar-me, ser levada pela brisa, entrar naquele azul, onde tudo seria mais tudo e nada seria mais nada.
Cansei-me deste lugar. Gostaria de poder sair. Mas, bem, não há outro lugar para ir. Ou há? Bem, há. Aonde me leva o céu azul. Não para fora, mas para dentro, onde reinam as cores e o preto-e-branco. Comecei a mover-me, exceto pelas pálpebras, que não ousariam fechar-se.
Aquela espécie de transe era permanente, não passava. Quanto mais tempo eu ficava ali, mais profunda era a viagem. Pensamentos filosóficos, inspiração, indagação, admiração. Tristeza, alegria, vazio, cheio. Queria chegar ao topo da pelagem do coelho branco.
Esqueci-me das minhas aulas, da matéria. Esqueci-me da feira de domingo. Esqueci-me do meu celular sem bateria. Só não me esqueci das pessoas, que não pareciam estar alojadas em um lugar acessível, modificável. Estava apenas no começo de...

- Rá, te peguei!

Caí. Não caí apenas do banco, caí do penhasco que estava a minha frente. Não sei para onde fui, e, na verdade, não quis e nem quero saber. O importante é que fui, que não fiquei. Que as coisas fluem. As coisas vão. Creio que havia chegado a minha hora de ir. Talvez pro hospital, talvez pra dentro de mim, talvez pro céu.

Adivinhe de que cor eram meus olhos.

domingo, 20 de julho de 2008

Murphy

quando se diverte, não pensa
quando pensa, não se diverte

domingo, 29 de junho de 2008

A incrível não-sei-o-que

Uma fresta na janela estava aberta. Por ela entrava o sol amarelo de um dia recém amanhecido, o ar gélido de uma cidade desacordada e os micróbios, bactérias e tudo aquilo que corrompe o ar que respiramos. Soraide estava deitada num sofá vermelho vinho, bastante velho e desbotado, que se encontrava na sala de estar. Ela havia ganhado o sofá em seu casamento, como presente da querida e amada sogra. O casamento não deu certo e o maldito levou de tudo mais precioso, exceto o sofá cor vinho de péssimo gosto. Por baixo de sua cabeça pendia um travesseiro branco e gordo, seguido por uma colcha amarela que lhe cobria até a ponta do nariz.
Soraide respirava profundamente, vagarosamente, fazendo seu abdômen dançar num ritmo compassado. Uma pelagem comprida e marrom escorria do topo de sua cabeça. Suas pálpebras cobriam a branquidão de olhos adormecidos. O restante do corpo todo estava imóvel, intocável, desligado. A mulher estava longe, em outro plano, num jamais conhecido por qualquer um em sã consciência. Quem a pilotava era agora a subconsciência, que deixava seus desejos e pensamentos ocultos expostos, através de metáforas muito bem boladas. Seu cérebro provocava, algumas vezes, movimentos inesperados em parte do corpo qualquer, como por exemplo o dedão do pé.
Alguma coisa a fez voltar, voltar para o mundo que conhecemos. Sua consciência adentrou em sua mente, como um velho maroto que entra em casa depois de longas férias no caribe. Num longo suspiro e gemido, moveu-se. Ergueu os braços, alongou-se, ainda de olhos fechados. Cada músculo foi esticado, quase provocando um estalo imaginário. Seu pescoço de fato estalou, assim como seus dedos, embora estes tenham sofrido provocação. Finalmente abriu os olhos e encarou o teto branco de seu apartamento. De imediato, começou a pensar, como se o fato de acordar virasse o botão on/off de sua consciência para o modo on. Pensar no que deveria fazer hoje, em como o dia seria cansativo, no cara que havia conhecido na noite passada.
Sentou-se no sofá, olhou para o lado direito e deparou-se consigo mesma. Defronte ao sofá encontrava-se um velho rack, que também tinha sido presente de casamento e que também tinha sido deixado pelo maldito ex-marido. Na porta do meio, cujo interior não nos importa no momento, estava um espelho. Espelho meio arranhado, meio sujo, mas que continuava com uma perfeita reflexão do objeto diante de si, que atualmente era Soraide.
Encarou seus próprios olhos e a imagem à sua frente. Percebeu, pela primeira vez na vida, como era estranha. Era bizarra. Aquelas duas bolotinhas brilhantes que tudo podiam ver e dois resquícios de pêlo por cima destas. Um buraco rosado com coisas cortantes e brancas por dentro. Uma forma esquisita modelada por cartilagem com duas fendas que sugavam ar. Duas partes que surgiam de um longo e vertical tronco e resultavam em artifícios com cinco outras partes, que por sua vez eram utilizadas como pegadores. O tronco dividido, que por fim terminava em formas achatadas que a punham de pé. Sem falar do interior. Sistemas, canos, líquidos, texturas, formatos. Tudo isso que punha algo incrível em funcionamento, um mecanismo puxando o outro, ordenados por uma central de comando bem no topo.
Era um ET, uma árvore, um robô, um projeto. Repentinamente, sentiu-se sensível. Ela, Soraide, era incrível.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

O Teatro da Vida apresenta: Comédia e Tragédia, as Contradições Siamesas do Conceito Humano

[Entram a Comédia e a Tragédia, cada qual comportando-se de acordo com sua personalidade já evidente. Comédia fazendo estripulias e sorrindo de forma marcante e exagerada, mexendo com todos os espectadores da platéia. Tragédia bastante emburrada, de cara fechada, lançando um olhar desconfiado para as pessoas que as cercam. Comédia inicia o diálogo].

Comédia: Ó, mas que lindeza! Os pássaros estão a cantar, o Sol está a raiar, as pessoas estão a sorrir, as formigas estão a trabalhar! Ó mas como é bom mover-me, pular, me sentir viva! Que beleza é jogar um sorriso ao amigo que precisa ou ao inimigo que não precisa!
Tragédia: Não sei como pode ser tão ingênua, minha cara. Não sei como consegue sorrir quando crianças estão a morrer, o mundo está a ferver, o fim está a surgir. Com essa preguiça, com essa fome, com esse cansaço eterno, essa rotina que mata, esses dias que nunca acabam, que vão sendo vividos sem começo, nem meio e nem fim.
Comédia: Oras, mas é claro! A melhor solução é não aderir! Que não deixemos as coisas ruins de nós conta tomar, para que vejamos rabugentos em todo lugar! O brilho, a luz, a paz, os sentimentos lindos e tudo que há de mágico prevalece! E ocupa um lugar tão mais especial no coração e no olhar das pessoas que me faz querer gritar de alegria!
Tragédia: Não, não. Frívolas, maquiavélicas e egocêntricas são as pessoas. O superego e o id, juntos, superam o ego sempre que possível. Mais alto fala o autobenefício. Porque não comprar um lindo carro se eu puder? De pouco importa a eles o sofrimento do outro desde que não afete a si mesmo.
Comédia: Como é possível não ver! Relacionamento social qualquer não é mais importante do que a pureza que faz o planeta girar! Do que o caminho de bem e de paz que devemos seguir! Do que o ar puro, o céu azul, a vontade de abraçar o mundo e cuidar dele! O maior, o infinito, o algo mais que temos!
Tragédia: O coração não vê aquilo que a mente não quer que ele veja. A mente do ser humano para o dinheiro está voltada. Capazes de qualquer coisa eles são. Até mesmo de uns aos outros manipular, brincar de uma brincadeira feia chamada sociedade, que engana, que controla, que faz do corpo um robô.
Comédia: O corpo é uma maquina impressionante que a ninguém obedece! Somente aos sentimentos mais profundos da alma transparente e aos pensamentos mais sinceros de um cérebro maravilhoso! É extraordinariamente fascinante, o ser humano e tudo que ele cerca! Aprender sempre coisas novas, ó, mas que lindeza!
Tragédia: Os pensamentos mais sinceros não existem. O que são programados pra pensar, eles pensam. Seus conceitos formados são a partir de uma série de convenções por eles utilizadas. E essas todas convenções e normas, essa falta de pensar, esse ciclo repugnante através do qual vive o ser humano o faz esquecer de todas as coisas que o cercam.
Comédia: Todas as coisas são maiores do que o próprio ser! É uma perfeição, é grande! Todas as cores que enfeitiçam os olhos, os gostos que arrancam suspiros, os cheiros que capta o nariz, as texturas que fazem de tudo real, os sons graves, agudos, o vento, a liberdade, o correr, o sentir que tudo vale. O sexto sentido, que intui, que percebe, que guia! A vida, o mundo, a individualidade... é por tudo, tudo isso que cá estamos nós!
Tragédia: É por tudo, tudo isso que cá nós não devíamos estar. Os animais homo erectus são uma maldição. É um fator destrutivo que tanto destrói, tanto que chega a pulverizar sua própria vida todos os momentos. Seu habitat. Sua ambição mata, o enlouquece. O Tudo não merece um parasita, uma praga, um sistema, um livro de regras.
Comédia: Por mais que você negue, antítese minha, eu sou necessária. Mais do que necessária, eu existo, e é graças a mim que a humanidade ainda não tomou fim!
Tragédia: E por mais que você negue, paradoxo meu, eu sou necessária. Sou eu quem puxa o aprendizado, por mais duro que este seja, e é graças a mim que a humanidade vai tomar seu fim.
Comédia: O Bem. O Otimismo. Que faz parte do mundo.
Tragédia: O Mal. O Pessimismo. Que também faz parte do mundo. Tanto quanto você.
Comédia: De fato... Somos também humanas. E ambas fazemos parte de nós mesmas.
Tragédia: E é através desse conceito humano que vivemos. Um meio termo entre a comédia e a tragédia, o bem e o mal, o otimismo e o pessimismo.

[De mãos dadas, entrelaçadas, quase unidas, quase transmutando-se em siamesas, saem de cena Comédia e Tragédia].

sábado, 31 de maio de 2008

Obit Register/ Registro de Óbito/ Registro de Óbito

Dear Humanity,

Today I cry.
You are commiting a slow and periodic suicide and can't realize that.
You are lost and can't be found.
And the only one who can save you
Is yourself.


Querida Humanidad,

Hoy Yo lloro.
Tu estás cometendo un suicidio lento y periódico e no percebe eso.
Perdeuse e no pode avistarse.
La única que pode le salvar és
Tu misma.


Querida Humanidade,

Hoje choro.
Você está cometendo um suicídio lento e periódico e não consegue perceber.
Perdeu-se e não consegue se encontrar.
E só quem pode te salvar é
Você mesma.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

O meio generalizado por robôs programados pelo sistema

Você acha que realmente gosta de chocolate? Realmente?
Acorda, dorme, anda, faz, fala, age. É, você faz tudo isso. Seus anos têm 365 dias, seus meses têm 30 dias (por vezes 31), seus dias têm 24 horas e suas horas 60 minutos cada, que por sua vez são compostos por 60 segundos e estes por milésimos, até não podermos mais contar. Você tem sábados, que é quando sai pra passear e esquecer da vida, falar besteiras, relaxar. Você tem domingos, que é quando dorme o dia inteiro, assiste televisão, passa o tempo com a família ou com quem quer que seja. E você tem todas as feiras, que é quando reclama do tempo que não passa, da vida que não se ajeita, da correria da rotina dos dias turbulentos e estressantes.
Você tem seus amigos. E estes são diferentes dos amigos do seu vizinho, que são diferentes dos amigos da sua irmã. Isso todo mundo sabe. As pessoas são diferentes, certo? Errado. As pessoas são todas iguais, generalizando. O meio as faz, o meio é a sociedade. Pensam sobre o que conversam, conversam sobre o que pensam, ou não pensam. Chegam a um senso comum de como as coisas devem funcionar, do certo e errado.
Sabe, todas as pessoas do mundo usam roupas, ninguém anda por aí sem elas. Todas as pessoas do mundo são consumistas, compram, amam conforto, acima de tudo e de todos. Todas as pessoas do mundo comem comida considerada de gente, ninguém come merda. De gente. O que é considerado de gente, por todos nós.
Será possível dizer que você realmente gosta daquilo que veste, come, ouve, faz, assiste, pratica? Você gosta de comer salada pra manter sua silhueta como a das atrizes de Hollywood? Você realmente gosta daquilo que faz mal pro seu corpo? Gosta de escutar palavras quaisquer grudadas umas nas outras com um toque de qualquer coisa projetada exclusivamente pra gerar lucro e beneficiar a alguns poucos medíocres? Gosta de ver alguém sendo humilhado, alguém fazendo sexo lhe parece engraçado ou vergonhoso, gosta de ver um palhaço levar um tombo? Gosta de fazer essa faculdade de medicina na qual seu pai te pôs? Ou... Será que alguém colocou isso na sua cabeça? Você não tem opinião própria, gosto próprio, vontade própria. Você foi projetado para ser quem é antes mesmo de nascer.
Era como se fosse uma regra, uma regrinha linda, que todos devem seguir para serem incluídos. Essa regrinha tem um nome. O Sistema.
Se você quiser comer grama como fazem as vacas, e apenas isso pro resto da vida, será tachado de louco. Louco é quem não obedece ao sistema, ou parte dele.
Existir é obedecer ao Sistema. É consequência de nascer. Você nasceu no mundo, o mundo é regido pelos seres humanos, que são regidos pelo Sistema. E não há como fugir.
Livres são os doentes, os loucos, os lúcidos, os pensadores, os filósofos, os pintores, desenhistas, escritores, verdadeiros atores, que sentem, percebem, vêem tudo de maneira mais clara. São as ovelhas negras no meio de infinitas ovelhas brancas.
Não há como fugir. Apenas ignorar, conviver, pra não viver isolado, sem nunca, nunca se esquecer do controle que ele exerce sobre nós. É preferível sofrer por ser um robô a ser um robô e não sofrer.

domingo, 18 de maio de 2008

A gravidade de um outro mundo

Vamos ser francos, tio. Eu não sou muito normal, n'é. Não precisa ficar me escondendo as coisas que eu já sei. Convenhamos, as outras pessoas não ficam falando as mesmas coisas que eu.
Eu lembro direitinho de um dia que eu tava lá em casa bem entediado, sem fazer nada, desse jeito mesmo, sabe. 'Tava tão frio e tão bom... Que eu resolvi fazer alguma coisa. Peguei o meu cobertor, lá no baú dos cobertores e saí pela janela do meu quarto, que dava no telhado da casa. Nossa casa é meio afastada da cidade, n'é, daí fica bem escurinho, quase não tem luz por perto. Eu deitei lá nas telhas e fiquei olhando as constelações. É nessa hora que passa um monte de coisas na cabeça da gente, n'é tio. Quer dizer, assim, sabe... As coisas têm que ter um motivo, às vezes. A vida, assim, não pode ser um nada nada a ver com nada. Sabe, deve ter alguma razão pra eu ter vindo parar aqui, bem aqui, 'tar bem aqui conversando com você. Sei lá, n'é, tem tanta gente que fica por aí falando besteira e pensando em nada sendo que tem tanta coisa pra a gente pensar.
Aí n'é, nessas horas eu também começo a pensar na minha vida, tio. Eu não queria viver sem saber das coisas, descobrir as coisas. Mas sei lá, será que EU, logo eu, no meio de um monte de gente, vou ser quem vai conseguir saber das coisas? Porque ninguém sabe da onde a gente veio, 'né. Ninguém. E nem porque e nem pra onde vai. E nem o que fazer. Não tem manual, n'é tio, não tem. Aí as pessoas ficam querendo ser nada e não entendem as outras pessoas e ficam chorando à toa por aí. Eu não gosto muito disso não.
Quando eu 'tava contando a milésima estrela, já, minha mãe colocou a cabeça na janela e me pôs pra dentro. Eu disse pra ela que tava vendo as estrelas e pensando na vida, n'é, no universo e no cosmo. Aí ela me falou assim que ia me levar no psicólogo porque essas coisas que eu faço é coisa de doido. Daí ela marcou uma consulta pra mim aqui com o senhor. Por isso que eu vim aqui hoje, tio. Agora me diz, assim, sem esconder, eu tenho direito de saber. Qual o tamanho da gravidade da minha doença?

domingo, 4 de maio de 2008

Nas profundezas de uma máquina

Ela não estava bem, não estava nada bem. Fez esforço para que seus músculos cansados girassem a chave da porta. Entrou cambaleando em seu apartamento, largando o salto alto em qualquer canto. Jogou a bolsa por cima do sofá na primeira oportunidade e sentou-se no chão, recostando-se na parede, aflita. Olhou pensativa por alguns momentos para seu jarro indiano. Era muito bonito, ela havia trazido da Índia em tempos remotos, onde a felicidade era facilmente encontrada, quando tudo era colorido e divertido. Sua realidade atual não era como no passado. As coisas andavam conturbadas, o tempo lhe era curto. Como se nada mais a satisfizesse, o sono sempre tomando o lugar das pequenas horas de lazer que costumava ter. Seus dias não passavam de filmes de ação em câmera lenta. O esforço era o maior motivo de sua sobrevivência. Não podia mais ler, ver filmes. Alguém acelerava o relógio durante as noites.
E era esforço não recompensado. Esforço cheio de injustiças, onde terceiros eram privilegiados. É uma lei irreparável. Sempre acontece, em todo canto, a toda hora, todo dia. É uma lei porca. Uma lei porca seguida por porcos. E não havia nada que pudesse ser feito, apenas arcar com as consequências dessa lei maligna. Além de regra, era corrente. Os terceiros privilegiados nunca, nem que quisessem, romperiam-na. O instinto do ser humano era mais forte, e o autobenefício gritava com gosto.
Seu pensamento voava longe, e a raiva apoderava-se de cada entranha de seu corpo. Era como se tudo que ela fizesse não a pertencesse mais. Era como se tudo fosse pouco, como se todos exigissem mais. Envolveu seu rosto com as mãos, a veia da testa se sobressaindo, as rugas de preocupação se mostrando. Todo o significado da vida havia desaparecido. Carpe Diem, dia após dia. Isso não existia mais. Passava diante de seus olhos. Ela era espectadora de sua própria vida. E tudo isso por causa da natureza do homem, por culpa da lei de murphy. Não era justo que outros transformassem seus dias num inferno terreno.
Chorou. Chorou por um bom tempo. Ficou uns quarenta minutos ali chorando. E então parou, finalmente, e tornou a encarar o vaso indiano. Via aquele vaso com outros olhos, depois desses quarenta minutos. O que antes era o desejo por um passado glorioso, era agora um conforto. Um conforto porque esse vaso lhe falava, agora. Ela havia sido feliz. Se certa vez foi, porque não seria novamente?
Levantou-se, pôs ambos os pés inteiramente no chão e olhou o céu estrelado pela varanda de seu apartamento. A luz das estrelas sugava seus olhos molhados. Caminhou lentamente até lá, com passos firmes e suaves. Pôs-se de pé, vendo a rua lá embaixo, tornando a erguer a cabeça e encarando as estrelas. A brisa bateu em seu rosto, ela fechou os olhos para sentir. Abriu os braços. Sentia como se pudesse voar. Sorriu. Era algo que as pessoas costumam chamar de "esperança" brotando nela novamente. A autoconfiança parecia estar entrando dentro dela, ali, naquele momento.
Então espreguiçou-se e voltou para dentro do seu apartamento, quente e aconchegante. Pegou uma água com açúcar na cozinha, ligou Elvis Presley em sua antiga vitrola e pôs-se a dançar, consigo mesma. Era hora de recomeçar. Ela veio pra este mundo. Não pode deixá-lo passar.

sábado, 26 de abril de 2008

Líquido não identificado

Transparente com uma espuma suspeita no topo. O copo transpira. O líquido agora compõe menos da metade do recipiente. Levo à boca. Não está gelado, não está quente, está agradável ao toque. O paladar me chama, o gosto é doce e cítrico. Concentrado. Meus dentes passam por uma sensação engraçada, como se a fruta grudasse neles. Engulo devagar, propositalmente, para apreciar. Deposito o copo de vidro na mesa, o branco da espuma suspeita desce lentamente até alcançar o restante do líquido. Fico a reparar e pensar.
Esse gosto me trás sensações e lembranças. Lembranças de uma época em que eu sabia aproveitar. As coisas não costumavam passar por mim despercebidas, não senhor. E quando digo coisas, digo todas as coisas. Céu, terra, flor, pássaro, besouro. Homem, mulher, criança, idoso, mendigo, ricaço. Aquilo que meus olhos captavam. Tudo que eu tocava tinha algum sentido. Costumava observar os relevos, as superfícies, as curvas. Era muito curioso, aquilo. Perguntas incessantes, sim, eu costumava tentar descobrir de onde vinham aquelas coisas. Os sons não me escapavam, até os mais rotineiros, até o tic-tac do relógio. Pra mim, algum sentido tinha que fazer. O cheiro das coisas, aquela particularidade. Porque cada coisa tem um cheiro diferente? Tentava descobrir o que era aquele cheiro, de onde ele vinha. E o gosto, ah, o gosto. Essencial. Nada pra mim tinha o gosto ruim, apenas um gosto. Único e surpreendente.
As coisas precisam de um porquê. Mesmo que este não seja respondido nunca, é necessário que exista. Às vezes me pegava olhando para o mundo, e pensando no porquê. Um porque sem porquê.
Hoje, não sei mais de porque nenhum. O Sol nasce, dia começa, o dia passa, a Lua se põe, o dia acaba. O menino passa, eu toco a porta, eu ouço buzinas, eu cheiro lixo, eu tomo água, o Sol nasce, o dia começa, o dia passa, a Lua se põe, o dia acaba. E o porquê... Ahn, pra que porquê? É mais prático assim. Nunca aprendi a regra dos quatro porquês, tenho preguiça deles.
"As pessoas mudam. Estão em constante mudança". Levanto, pego o copo, ando, chego à cozinha. Num movimento brusco, lá se vai o líquido transparente pelo ralo da pia.

terça-feira, 22 de abril de 2008

A crônica dos "bom dias" e das "boa noites"

Santiago sentou-se em seu escuro, porém confortável quarto, na escrivaninha de leitura. Uma brecha dos raios de sol penetrava pelas cortinas pretas e sufocantes, atingindo diretamente o aquário do peixe dourado Smith, provocando um efeito psicodélico em suas águas levemente sujas. Ao sentar-se, perdeu-se um pouco em seus devaneios, daí lembrou-se porque estava ali e tratou de procurar uma caneta, um lápis, um carvão, ou o que quer que seja que pudesse escrever. Esse processo levou cerca de cinco minutos, devido ao estado em que se encontrava o quarto de Santiago. As roupas jogadas por todos os lados dificultavam a visualização dos móveis e do chão, os papéis desorganizados e rasgados sobre o assoalho não ajudavam. Enfim, localizou uma caneta bic preta, jogada num canto qualquer. Voltou à cadeira de madeira, catou um papel branco. Ficou a encará-lo, sem encontrar palavras para dizer ou para escrever. Destampou a caneta, encarou mais um pouco o papel branco, que de tão branco já o cegava as vistas.
Acho necessário, quando se chega a certo ponto da narrativa, explicar um fato importante para que demos prosseguimento à dita cuja. Moço com seus vinte e cinco anos, Santiago vivia só. Ele e Smith levavam uma vida cheia de complicações, como qualquer vida que se preze. Trabalhava, estudava, tinha pouco dinheiro para pagar uma empregada. Seu pequeno apartamento era a desordem em apartamento, sempre recheado de comida espalhada pelos cômodos, tralhas jogadas por todos os lados, roupas, sapatos, mofo, poeira. Necessitava desesperadamente de uma vassoura e um desinfetante. Acontece que tal solidão provocava em Santiago um desejo pela comunicação. A vontade de ter pessoas ao seu redor era substituída pela sede por palavras e pela urgência em falar. Santiago não tinha com quem falar, a não ser com Smith. Era um indivíduo tão não-comunicativo que não tinha o hábito comum nem de dizer "bom dias" ou "boa noites" para o porteiro do prédio em que morava ou, talvez, a moça da lanchonete em que por vezes comia. Resolveu, então, dar um fim nesse conflito interno incessante. Chegou a conclusão de que a melhor solução para acabar com sua vontade era organizar os pensamentos e escrevê-los em uma folha qualquer, como forma de desabafo íntimo.
Pois foi exatamente nesse momento que deixamos Santiago, nesse momento seu, momento de expressão. A comodidade com tanta desorganização pareceu não realizar bons feitos. Nosso caríssimo Santiago, agora determinado, enfrentava mais uma desavença. Não parecia ter condições de criar sequências de palavras para que pudesse escrevê-las e, dessa forma, dizer o que fosse. Encarava o papel branco. Precisava dizer, não podia ademais suportar esse silêncio eterno. Mas como? Nada lhe ocorria, nada lhe vinha ao pensamento. Agora, no seu momento, na sua hora de falar, no auge de seu desejo, não podia. Faltavam-lhe conjunções. Faltavam-lhe letras. Tinha que comunicar ao mundo, comunicar a si mesmo, quem era Santiago, qual era seu destino, qual era sua opinião, o que sentia, o que não sentia. Smith nunca o entendeu, nunca o respondeu, nem o correspondeu com qualquer expressão diferente do que aquela mortice de nascença.
O rapaz de vinte e cinco anos pousou a ponta da caneta no papel branco e iniciou uma sequência de movimentos curvilíneos que se assemelhavam à escrita de qualquer coisa. A caligrafia de Santiago não era nem nunca havia sido bonita, devo dizer nem sequer entendível. A dificuldade para entendê-la sempre foi comum entre as pessoas aleatórias que o cercaram no decorrer de sua curta vida. Isso foi problema pra ele na escola. Os professores o obrigavam a usar cadernos específicos para treinar sua grafia, porém de nada era útil. Nunca sua letra havia perdido seus traços fortes, triangulares (sim, triangulares) e embolados.
Algo brotou no topo do papel. Algo que, se meus cálculos estiverem precisos, parecia-se com um "bom dia". Então, no fim da página, Santiago repetiu o procedimento. Brotou de tal forma algo que, confiando novamente na precisão de meus cálculos, parecia-se com um "boa noite". Após tamanho esforço, pousou a caneta sobre o papel não mais totalmente branco. Recostou-se na cadeira de madeira por alguns segundos, respirando fundo, recompondo-se. Estava leve. Poucas palavras lhe haviam tirado sentimentos do peito que nem eu nem você poderíamos imaginar. Ergueu-se, fechou a pequena brecha da cortina pela qual passava o raio de sol que se refletia no aquário de Smith e saiu do quarto, fechando a porta e deixando seu mais novo companheiro de desabafo sobre a escrivaninha de leitura.