quarta-feira, 26 de maio de 2010

Fico triste ao te ver triste,
Fico triste ao me ver triste,
Fico triste, transparente.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Pieguice

Subitamente, num momento pouco propício de carícias e chuva do céu, notei que amar já não me era intrínseco. Encarei as luzes deslocadas do mundo que girava e me deparei com a razão e a capacidade de trabalhar. Sons abstratos, instantâneos, fracamente intensos ecoaram por debaixo de minhas pálpebras suavemente fechadas. Era tarde demais, o cansaço em seus múltiplos sentidos havia me tomado por completo. Segurança é reconfortante, mas não mais me conforta. Angustia meu pequeno coração e o faz desritmar-se. A melancolia de devaneios sombreados pelo azul escuro do pano que nos encobre perdeu-me em suas dobras. Palavras bonitas continuam a me alimentar, desde que nasci, de seu seio materno. O eterno corredor da branca sala de espera sugou-me a sensibilidade. Não quero irritar-me por beijos sinceros. Amigo vento que há anos mudou-se para o outro lado, volte e traga consigo aquela luz singela que arranca manifestações verdadeiras de minha alma. Mexi nos cabelos, abri um bombom, voltei a escrever. Não sou poeta, idiotismo não convém à minha paranóia. Se agora caminho pela trilha errada, não sei qual há de ser a certa, mesmo prostrada a meus óculos frouxos e tortos. Não quero mais fascinar-me por criaturas apenas em meu lírico onirismo e suas demasiadas vozes. Sensações aguçadas. Contrariando dogmas, em todas as partes de minha língua predomina o doce. Devo pintar as paredes do purgatório caoticamente, gritando, derramando sobre elas toda a poeira da rotina. Não comi o bombom, tampouco parei de tentar me enfebrecer. Ponho os dedos sobre o pescoço apenas para senti-lo pulsar e, então, certificar-me de que ainda estou viva e de que assim quero permanecer.

domingo, 9 de maio de 2010

Eu passarinho

Após semanas presa a seus próprios joelhos encolhidos, a moça dos cachos rebeldes voou. De cabeça para baixo, deitada no sofá azul anil, olhou o céu e o movimento que o vento por ele traçava, balançando as árvores e desprendendo destas folhas de todas as cores. Levantou-se num movimento despojado, dançou pelo chão frio e espalhou-se por toda a sala. Sentiu suas células vivas respirando. A brisa lhe soprou a face, como que num sussurro, dizendo-lhe: "O que realmente importa". O marcador fosforescente ressaltou palavras de feitos revolucionários, e a música ao fundo puxou o centro de massa, a concentração expressiva. Era hora, passava da hora; misturado à bateria e violino ouvia-se o tic tac do relógio. Sentando-se no parapeito, os cachos da moça olharam para o amarelo dormente do sol. A lembrança do coelho branco de olhos vermelhos subindo no balanço de seu inconsciente lhe deu certeza, e ela, pulando, guiou-se pelos pós cósmicos do infinito, rumo à primeira estrela da tarde.

domingo, 2 de maio de 2010

Sobrepor

Cá escrevo, da minha inércia soterrada. Não li o suficiente para criar uma personagem decente, cheia de problemas e conflitos para provar-se humana. Ao sol, estão meus livros empilhados sobre papéis amassados e com cheiro de coisa velha. Soa forçado... Até mesmo quando se fala de morte. Era domingo; nas palavras inocentes de um menino morre um homem e, simultaneamente, uma abelha que, atraída pelo doce, caiu no copo de refrigerante. Enquanto o inseto se debatia inutilmente por entre as bolhas do gás que subia, tocavam as pombas fúnebres e mórbidas da incredulidade. A abelha queria comer. O homem decidiu pela morte ao sofrimento. Era a natureza tomando seu curso, ao que diriam alguns, "Uma ova!". A quantidade do que se vê é grande, e os fatores acabam por se misturar... O corpo humano, com toda sua fragilidade, faz beleza e deixa em transe. A composição harmônica das linguagens expressivas e o céu azul visto de cima tornam-se algodão doce e o oceano. Parece cruel deixar de lado. Mil palavras poderiam ter sido derramadas, mas temos aqui um mísero registro. É a tal ordem natural do Universo, e meu eu-lírico tornando-se minha própria personagem.