sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Leite

"Sou muito simples. Sou quase uma caixa de leite. Não precisa nem ler os ingredientes... É só leite".

Ficar à toa vendo o dia passar é de tamanho deleite, quase uma dádiva, de tanta incomunez que chega a cheirar esquisito.
Ficar à toa todos os dias vendo-os passar é de tamanho peso, quase uma sina, de tanta agonia que chega a soar asqueroso.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Outra canção tristonha

Sou uma criança esfomeada e desnutrida cujo estômago esqueceu-se de roncar. Procuro por torneiras para abrir e deixar jorrar toda espécie de colapso que possa me fornecer a necessidade indispensável.
A continuidade do tempo é proporcional à espessura da ligação. Rompê-la por covardia é frustrante: confirma um ciclo infinito de relações mortas pela dificuldade desafiadora de mantê-las. A descoberta de mundos só seria argumento se para descobri-los não fosse necessária a junção de duas cores. Não há como usufruir simultaneamente do sentimento revigorante e da liberdade de ser sua própria, medrosa e superficial cor. Ser incompleto é uma sina.

Achei minha porta, mas sua respectiva chave não existe. "Dessa vez eu vou tentar sorrir, nem que seja só pra constatar que eu não consegui".

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Sucessão

O Sonho.

Fui dormir com o dia amanhecendo, mas eram onze e tal. Os raios dum sol invisível num fim de tarde pouco provável lotaram meus olhos de luz.
De onde vem o movimento das coisas verdes?

A Consciência.

Pelo português, não levo o queijo gorgonzola a sério. Pelo masculino do nome, não consigo levar-me a sério. Intensidade pouca, não sou assim como me escrevo. Sou simples e boba, gasto meu tempo com inutilidades pouco sensíveis e depois, vendo-me no espelho como tal figura, choro pateticamente aos pés dos meus sentidos, suplicando-lhes que me sirvam. Procuro estímulo qualquer, tudo é melhor que não sentir. "Hold on to your emotions". Choro não porque sou mulher, não porque sou adolescente, e nem porque sou humana; é em pedido desesperado da verdade em mim.

O Descerrar de Olhos.

Possuo muitas coisas frágeis. Simultaneamente quero quebrá-las e zelar por elas. Estão ali, aos montes, distribuídas por estantes num quarto bem iluminado, deixando que a luz as atravesse e mostre-lhes a transparência. Um empurrão e lá se vai o feitiço irritante de sua fragilidade. Felizmente, o arco-íris do sol que as estupra me hipnotiza e certifica que devo protegê-las. São bonitas demais para desaparecer. Beleza melancólica, que provoca sorrisos sorrateiros de leveza e lágrimas repentinas de saudades diversas. Provoca também a pieguice daqueles que escrevem. "Life is happening everyday, all around".

O Erguer do Corpo.

As certezas são falhas, os motivos faltam e a cachoeira despenca violentamente na serenidade do rio colorido pelas pedras amareladas debaixo dos peixes.
Ao que os olhos negros observam com uma atenção frenética e imóvel. Os ouvidos ressoam as moléculas de água guerreando com naturalidade. A brisa tem cheiro de folhas recém-amadurecidas e desgrenha um ser vivo supra-grenhado. Já era tempo, já era espaço.

O Primeiro Pé.

Pare um pouco. Tire a bateria do seu relógio. Respire e escute a reação do seu corpo.


quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Dor - mente

Era uma segunda-feira com jeito de domingo. Despertei de um sonho mal dormido com uma sensação borbulhante de febre e dores corporais. O almoço estava quase pronto e saco vazio não para em pé - não que eu fizesse questão de sustentar meus ossos pesados sobre forças fracas.
Limpei o envelope, esfreguei o cérebro com sabonete para peles sensíveis, a água me escorreu azul. Saí acompanhado de alguém que me transferia uma dureza útil, porém amarga e cansada. Ainda assim, acariciava-me a mão com a sua. Dicotomia engraçada.
Chegamos, encontramos um sujeito que me era conhecido e sentamos a esperar entre conversas envergonhadas e sem sentido. Nada fazia sentido.
À medida que o tempo se arrastava, meus motivos iam tentando me escapar pelas esquinas. Reclamação, impaciência, incômodo, dúvida. Ali, a única coisa que me envolvia firmemente era a angústia; o resto descia pelo ralo como a água do chuveiro que havia a pouco me lavado.
Fui, então, na súbita ausência de uma alma que me acompanha por toda a vida, chamado. Entrei, prepararam-me. Era um ritual de passagem. Sentei-me em posição fetal, e então a fragilidade do mundo modificável de uma criança para nascer me tomou por completo. Meu corpo estava sofrendo uma segunda moldagem, dessa vez presa a uma inerente e amadurecida dor. Sofri. Repeti minhas razões por efeito, conversei comigo mesmo. Senti duas mãos presenciais tocando-me, fazendo misturar-se energia humana e energia naturalmente artificial.
Sangue e suor, acabou. Levantei-me tonto e cambaleante, vi meu reflexo e sorri um sorriso de três metades: metade intrigado, metade questionador, metade aliviado. Estava agora, sob minha pele em tinta preta, a concretização da realização.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Sem previsão

Podia a idéia de ferver pensamentos não fazê-los evaporar, mas a mudança de tudo que flui me obriga a lutar contra o cansaço mental e espremer meus dedos do pé até que estralem. Poetizar, aqui, equivale a um cotonete; serve para limpar. 
Nossos esquisitismos trazem a desordem para dentro de casa, desordem essa que produz um efeito acumulativo: a vontade enlouquecedora de gritar cordas vocais fora. Cordas vocais não podem ser gritadas fora nem se o grito projetado for dotado de significância - e de fato, o é. A proximidade quase miscelânea entre os sentidos, então, se manifesta, obrigando-nos a recorrer ao ser expressivo que mora debaixo de nossas camas e nos atormenta incansavelmente.
Emocionalmente deficientes e aturdidos por natureza, somos, sem exceção, direcionados à parte que mais esfola nossos joelhos: os relacionamentos supostamente amorosos intra-seres humanos, uns piores que os outros. Tem-se, daí, baldes e mais baldes repletos de uma melosidade repetitiva, incômoda e exaustiva. Tanto me desagradam as manifestações da carne e gordurinhas estomacais que delas procuro me abster. Concentro minha antena das sensações nas mil e uma outras sensibilidades que os mundos carregam.
Sou, porém, ser humano, tão humano quanto pode um ser. Escorrego na sina do elas, eles, ele e ela, nós, eu e você, vocês.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Catalepsia patológica dos pseudônimos

Há tempos procuro por palavras sinceras debaixo das minhas inúmeras xícaras de café. Prefiro transfigurar minha covardia num menininho que não consegue dormir. O tic-tac da bomba prestes a explodir o mantém acordado, preso a sua inconveniente consciência. Vê as cores de sua parede parda virando ao contrário e dançando uma valsa colombiana magistrada por um piano desconhecido que parece tocar sozinho através de sua porta. Resolve sentar-se ao chão para ouvir pelas frestas. Arrepios que lhe percorrem a alma escondem suas certezas infantis. Tenta ignorar as vozes que estão sufocando o som do passado.

Estou em casa conversando com uma ausência importante e cozinhando sentimentos afogados pelo prazer do cérebro trabalhando. Assim que tomei em mãos meu caderno vermelho, um som misturou-se à música costumeira. Apaguei-a e juntei-me à porta, quando tomei a decisão de me purificar pela honestidade. O piano, vivo, comia minha alma, degustando-a. Um grupo de vozes sinistramente serenas e palmas descompassadas iniciou um ritual que libertava meu espírito de suas atuais verdades universais. Incompletência. Vazia de sentido, cheia de significado. 
A cerimônia continuou. Algo no desconhecimento das palavras pronunciadas me causava incômodo, como que por desafio ao ofício. Por outro lado, era como um mantra que quase neutralizava meus nãos e hipnotizava meus sentidos no balanço da cortina rosa. A necessidade de sentir-me concreta era, agora, maior que a necessidade de sentir meu corpo limpo. A confiança na branquidão me garante a presença intocável dos animais. É a única que me cabe, pois não caibo na humanidade. 
Não pretendo matar meus pseudônimos sem nome.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Sem

Registro fotográfico: a moça passava pela rua das luzes coloridas que ondulavam seu corpo esbelto.
Fonográfico: burburinhos de conversas se entrelaçando por todos os lados.
O sentimento: turgidez. A simultaneidade é perturbadora.

Com uma sensação invasiva sob domínio de seus sentidos, os olhos assustadores da moça correram até a ponte. O escuro, então, permitia que somente resquícios das cores intimidantes lhe iluminassem o caminho. Era muito tarde e, como de mau-costume, ela havia ignorado seus processos intuitivos e perdido neles ideias importantes. As mensagens estavam excessivamente nebulosas. A moça, após atirar-se para um mergulho definitivo no lago, emergiu dentre arrepios e poluição. Seu organismo implorava. Sentou-se embaixo de uma árvore sem folhas presa a um chão cambaleante e fez questão de lembrar-se como sentir solidão. Ali ficou. Para todo o sempre.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Exercício para livrar-se do espeto

Os cobertores parecem ser os melhores companheiros pro dia de hoje. Acostumada com o descostume das palavras, encaro as pautas do papel até quase sangrar pela caneta. Estou perdendo a capacidade de expressão como um homem que não sabe reconhecer rostos. Traduzir coisas não físicas em palpáveis sempre foi um trabalho sensível. É isso; tornei-me, de repente, insensível.
Não sou capaz de não poder ser todas as cores. Não quero ser aquela mulher com bafo de vinho e com cheiro de estrago. Eu gosto de salada. 
A infelicidade não é uma opção, é impossível arrancá-la. Nada me faria feliz. Gastrite. Quero que o som de suspiro costure a minha barriga com as lágrimas que vêm aqui de cima. E transformar minha alma num piano. Gostaria de me desligar das máquinas para poder rolar infinitamente nas gramas estonianas. Talvez seja o formigar do excesso de chocolate que tenha me deixado de cabeça pra baixo.
Senti um gato por debaixo das pernas e a segurança de sua transparência me acalmou o sonho. Pude mover um pouco meus dedos do pé. Quem sabe eu devesse levantar, algo me sussurra que já passa da meia noite. Levantei e o labirinto me estonteou. A luz alienígena está me esperando do outro lado da janela. 
Não sei se tudo isso tem um significado consciente. Acho que está na mistura do bolo que compõe aquelas coisas enterradas nas entranhas dos bichos esquisitos.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Insanidade minimalista

Antes de começar a contagem tomei fôlego e coragem para enfrentar os observadores: a arte não deve ser temida - não há como temer o inalienável.

Dentro de cada partícula subatômica de um único corpo pulsa um pequeno cérebro dotado de livre-arbítrio e vontades independentes. Cada pequeno cérebro de cada particulazinha toma decisões e traça objetivos. Inicia-se um princípio de implosão do sistema. As engrenagens hiperativas querem girar para todos os lados das cinco dimensões, até mesmo para os que só cabem nos rabiscos inconscientes do rápido movimento dos olhos.
O consenso deveria ser de domínio público. O eu inteiro não pode ser infinitas escolhas. A sociedade do intra-humano só sobrevive na ditadura das partículas repressoras. 
A sede e o sono não condizem entre si. Só existe razão na opressão de partículas que, jogadas num canto esquecido da parte direita inferior do umbigo, preparam uma revolução: tudo transborda sem mudanças prévias. Essas que, por sua vez, tomadas de selvageria, só fazem-se quando bem entendem de se fazer. E aí chegamos na impossibilidade de conciliação.
Schopenhauerianamente afirmo que não existe completa satisfação. São muitas partes de um individual organismo. Até que ponto vai...? 
Termina na democracia da maioria.

O que te faz mais mal do que bem?

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Hunting high and low

Com o coração na mão e o frescor da voz nostálgica dos meus nove anos, vem a leveza de uma intimidade transparente. Muito embora os acontecimentos pareçam bater à porta com a inconveniência do arranhão de um gato, o acaso é uma invenção da necessidade humana de explicar. É inacessível e petulante querer outra vida. A brancura abre espaço para expor e fazer lembrar a força das boas sensações.
A madrugada tem me acolhido como minha desconhecida irmã mais velha, abençoando todas aquelas horas certa vez malditas e tornando suportáveis as esquinas abarrotadas de escolhas. Reinventar e ter um cuidado sensível é corajoso e ensina. "É difícil ser quem a gente pensa que é...". Tento, mesmo com a falta de um otimismo que deixaria nebuloso todo esse excesso de realismo.
Pego um pedaço de ônix com meu pulso roxo e torço energeticamente para deserdar encantos com razão. Perder pessoas para resguardar a profundidade de complicações descomplicadas. Não quero desistir de escrever cartas.

"Epifania, é o nome disso. Esses insights". 

domingo, 12 de setembro de 2010

O olho

Maximizar o mundo mínimo é um ato de covardia. "Porque algo tão externo a nós nos influenciaria o pensamento?", dizem eles. Bando de narcisistas. A compreensão que lhes falta é que as influências não vêm de fora. Elas vêm de dentro. Tudo faz parte do mesmo. Nossa razão se prostra de escolhas... Mas de onde vem a consciência?
Presumir uma realidade esquizofrênica não é o caminho, mas estudar todas as realidades presumidas serve para alimentar o questionamento. Tudo que conhecemos parte de nossa própria e imprecisa observação. Não questionar é esquecer-se das importâncias.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Flightless bird

Tentando entender e tornar física uma melancolia com cor de fim de tarde mal iluminado ao som de vibrações desconhecidas, noto que não combino. É como não pertencer ao lado de olhos alguns e não dormir sinceramente em nenhuma cama. É querer ir e acabar de encontro com a própria fuga.
Salve-me com a sua companhia.

domingo, 29 de agosto de 2010

Carta pra calhordagem

Todos os dias a saudade arranca partículas de poeira colorida do meu umbigo fragmentado. Dói. Não amamos com o coração, mas também não é com o cérebro. É com o umbigo.

Alheio às palavras ditas, escritas ou sorridas, ouço o pássaro cantando para denunciar a manhã. Estou imerso em aventuras saudáveis pós-realização pessoal e me perguntando até que ponto a madrugada importa - afinal, minha caneta falha. Dormir poderia ser desnecessário, tomando como suspense tantas importâncias em vida acordadas. Quem são essas mentes corrompidas? A tenacidade da linha é tênue. A caneta resolveu colaborar com os neurônios afadigados, enfim. E se todos esses carinhos tão certos de si se auto-germinarem-alimentarem pela carência da falta de mãos? Que mãos, hein? É vermelhidão em pele branca. Não soa real, perdi a confiança, é tudo farsa. Sou mau. Gosto e desgosto assim, quando passa o encanto do desconhecido. Tantos abraços confortáveis... E a veracidade? Enterrada.

O ardor dos olhos só existe quando fechamo-nos pro conforto.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Moinho

Não existem palavras suficientes. Para o céu e o frio, para as sensações subalternas que se escondem por baixo de nossa espessa carne, palavras são toscas. As diferentes cores da água em movimento, a terra grande e o Sol dando-se um abraço físico antes do fim do dia. A luz de Vênus prendendo-se à pós-noite. O vento, fragmentos musicais alcançando o sonho, visão do mundo através do líquido sólido. Às vezes os carinhos e o revira-olhos sonambolizam de forma despertadora.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Self Portrait

Sou irrequieta. Movo-me na velocidade da luz. Na convivência, sou o novembro. Inatinjo, ao vento. Os sonhos são a realidade, cuja relevância é dúbia.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Falta. A inconveniência dessa maldita nunca fez tanto sentido e nunca se fez tanto sentir. Grudou como um adesivo em carne, que arrancado desprende também a pele do meu corpo. Acorrentei-me a dias com quarenta horas.

domingo, 1 de agosto de 2010

Lembrar

Tomei nota: "Jamais esquecer-se da importância". Colei o post-it na parede, sentei-me numa cadeira não tão confortável e reli as palavras cuidadosamente escritas pelo lado organizado do meu cérebro. Fui ao banheiro, muito embora soubesse que nem sempre devo me livrar de meus incômodos. Voltei com o caderno vermelho em mãos, abri numa folha amarelada avulsa, escrevi com caneta tinteiro.
"Não devo ter medo das substâncias amorfas que me fazem esquecer o trabalho. Não posso me entregar ao ceticismo de tal forma que especulações terrivelmente potenciais se afugentem na inibição. Tudo deve ser questionado, sempre somar empirismo à carga cósmica do desconhecido. Não fugir de tristezas profundas, melancolias reveladoras, rios furiosos. Sofrer efeitos, me agarrar ao tronco mais próximo. Não temer transformações, não me entregar à felicidade da calmaria. Sorrir incondicionalmente, de acordo com as condições. Aprender a linguagem do inconsciente não para decifrá-la, mas para me juntar a ela. Enxergar mini-fiapos com a pele, sem tateá-los. Permitir a vibração do terceiro olho. Não desistir de pintar-me, explorar as cores que me fazem tela. A redundância é recurso da memória."
Após alguns segundos de olhos desfocados, larguei o caderno aberto em algum lugar imaterial e fui com a certeza de que às vezes preciso ser um ordinário repetitivo existencialista.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Óbvio

A simpatia com o tempo é tão instável. Mais que inconstante, é separada, fragmentada, seletiva. Desejar velocidade supersônica acarreta na perda dos processos, das passagens, paisagens, viagens, dos caminhos, passos, pássaros, instantes, nuances, invisível, indivisível... Imperceptível. Pela dor da humanidade ao confrontá-los. É a fuga do plano, o pleroma de contos destruidores. Sou eu, é você, nós, sumindo. É nove de julho de dois mil e dez, são dez horas e trinta e um minutos. Somos perdedores do mundo... Why don't you kill us? And... We're already dead.

Não há mundo, não há lugar, não há gente, não há conforto. Não há carinho, não há palavra, não há verdade. Nem sonho, nem compaixão, nem importância, não há importância. Não há sinestesia, anestesia, calmaria. Não há altruísmo, não há vontade. Sem ser humano, sem sinapse, sem cor, sem movimento. Onirismo, metafísica, intimismo. Não há sugestão, revolução. Não há lirismo.

domingo, 4 de julho de 2010

Não estou bêbada, estou literária.

sábado, 3 de julho de 2010

Anti-Mundo

Caminhando a passos largos pela avenida mais movimentada da cidade, o menino ruivo subitamente deu-se conta dos transeuntes apressados que lhe esbarravam, atravessavam seu corpo magrelamente frágil. Encontros geram conexões sensíveis em seus múltiplos aspectos. E se ele se deparasse com alguém que, repentinamente e não mais do que pelo advento do encontrão, passasse a ser importante? Alguém que transformasse seu dia pela simples aparição? Contato visual. Um sorriso. Um jogo de cintura. Entendimento estranho do desconhecido. Um sapateado imperceptível - e quando assim, faz diferença? Compaixão. Pisão no pé. Reparando no decote. Pausas... Haveria o ruivoso menino de, ao acaso não tão acaso assim, encontrar sentimentos humanos? Não que ele os estivesse procurando, afinal.
Contatos existem do potencial misterioso do caos. Dopamina impulsiona adrenalina para o sistema nervoso periférico autônomo simpático. Arritmia, pupilas dilatadas, tremedeira, energia fortemente acumulada pela quantidade de cafeína em suas manhãs. Podia a ruivosidade do menino afetar-se pela moça de saia curta, pelo senhor de boina marrom, a senhora de bengala e dentadura, o robô mau, o fruteiro, o ladrão de bolsas desatentas? Se suas habilidade sinestésicas estivessem ligadas, coisa que de raro acontecia, certamente. Não há como escapar da condição de ser perceptivo, mas não há também como tirar do mérito do homem de tirar seus próprios méritos. Ou dons, como gritavam os cabelos gritantes do ruivo menino.
As pessoas da rua se atrapalham, se tropeçam, se mastigam, deixam os sentidos pelo cérebro que rege tantos mundos internos. A cabeça ruiva do menino pôs-se, então, a tatear. Quem? Não havia olhares nem neurotransmissores. Havia sono, apatia, morbidez aumentados de velocidade. Foi-se embora o menino com sua ruivez na decepção anti-interativa do mundo que se fazia fazer.

domingo, 27 de junho de 2010

A crônica da Destruição

Anotando conclusões.

Destruição é consequência da tentativa falha de reconstruir. Certa vez um menino me disse que queimou o passado numa folha de papel e eu o aplaudi. Minha fragilidade se adapta ao mundo que a cerca como água líquida preenche contornos de todas as formas. Algumas coisas não mudam, mesmo que dessa vez alguém me envolva com braços preocupados; as escolhas e saídas findam cavalgando a selvageria intracorporal. Tudo pede destruição antes que o vidro quebre de insegurança. Tristezas devem ser respeitadas. Essas palavras dissimuladas que me fazem acreditar num potencial só meu devem morrer, são ridículas porque tenho vergonha de sentir. A história serve para explodir, mas não consigo soltar-lhe a mão para que não exploda eu também. A noite sempre vem para confirmar minha solidão. "Agir" é um verbo que não pode mais somente ser escrito, precisa de efeitos esmagadores. O ar que me envolve falta, está na hora de sair e peitar a esfinge. Destruição é consequência da necessidade de reconstruir. A pele que protege meus ossos é de nuvem, de lua, quebrável, rasgável. Perdi-me no tempo e na lucidez. A urgência de ir.

I have to feel safe on my own bones.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Ontem e Hoje

Ontem parti meu crânio ao meio e me vieram com sal e vinagre tentando estancar o sangue não-coagulado. Ando por aí com a cabeça aberta, exposta, ventilando um cérebro empoeirado. Coisas voam para fora na trajetória e muita besteira acaba caindo para dentro. O sistema processa, digere, manda pela aorta, vira ao contrário e cospe boca afora, na cara de um qualquer. Tão de repente o mundo se torna nada palpável...
Todas as mãos coloridas que me seguravam para que a falta de gravidade não me levasse resolveram soltar-me. Flutuo pelo espaço, só, em meio a corpos estelares e vidas desconhecidas... Os olhos das figuras humanas em quadros e esculturas de gelo me seguem, sempre observado de longe e transmitindo um medo terrivelmente seguro, imutável. A ausência de paredes pesa como se as próprias esmagassem a arte de existir. "Não sei se estou sonhando ou se eu mesmo sou o sonho". Já não posso mais cronificar o Universo que vai sendo deixado para trás na inércia pseudônima de mim.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Prolixando

Conversas sinceras são pastosas, brancas, de um doce formigante. Quando o cansaço força uma lentidão no sistema, é o sinal do perfeccionismo batendo à porta acompanhado de sua colega, palavra abominável e indomável vontade de ser. A lua quase crescente diz "Feche os olhos, menina, para que o auto desapontamento não lhe pegue na inutilidade". A crítica fica para o atemporalismo do meu banheiro.

Acidente

Como que num dia comum, estava eu trotando pela calçada rachada da Avenida. Obliquamente notei uma borboleta atravessando a rua e o carro que, de súbito, arrancou-lhe fora as asas que lhe mantinham viva. O sopro bruto da pressão do ar despedaçou o corpo da frágil criatura, que veio ao chão, desfalecida. Era cedo, eu atravessava apressada engolindo meu café, sem jeito. Meus cabelos sobre os olhos certificavam que aquela era a faixa de pedestres. Todos os cálculos da economia regional me distraíam do mundo que girava. Setenta e sete, setenta e nove, oitenta e um... Foi o reflexo do movimento brusco involuntário do meu corpo gerado pelo barulho ensurdecedor e inesperado. Olhei e vi um monstro, e então vi o Sol caindo em mim, com toda sua desproporcional massa estelar e fogo azul anil. Fui desintegrada, voei. Resolvi, então, movido pela comoção gerada, me aproximar da morte. Digo, da morta. Seus cabelos vermelho maçã contrastavam com o cinza cimento da rua. Aquelas pernas bronzeadas que há pouco torneavam seus músculos... Ninguém... E ainda assim, alguém. Eu. O rapaz da banca de jornais era a moça borbolefeita.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Fico triste ao te ver triste,
Fico triste ao me ver triste,
Fico triste, transparente.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Pieguice

Subitamente, num momento pouco propício de carícias e chuva do céu, notei que amar já não me era intrínseco. Encarei as luzes deslocadas do mundo que girava e me deparei com a razão e a capacidade de trabalhar. Sons abstratos, instantâneos, fracamente intensos ecoaram por debaixo de minhas pálpebras suavemente fechadas. Era tarde demais, o cansaço em seus múltiplos sentidos havia me tomado por completo. Segurança é reconfortante, mas não mais me conforta. Angustia meu pequeno coração e o faz desritmar-se. A melancolia de devaneios sombreados pelo azul escuro do pano que nos encobre perdeu-me em suas dobras. Palavras bonitas continuam a me alimentar, desde que nasci, de seu seio materno. O eterno corredor da branca sala de espera sugou-me a sensibilidade. Não quero irritar-me por beijos sinceros. Amigo vento que há anos mudou-se para o outro lado, volte e traga consigo aquela luz singela que arranca manifestações verdadeiras de minha alma. Mexi nos cabelos, abri um bombom, voltei a escrever. Não sou poeta, idiotismo não convém à minha paranóia. Se agora caminho pela trilha errada, não sei qual há de ser a certa, mesmo prostrada a meus óculos frouxos e tortos. Não quero mais fascinar-me por criaturas apenas em meu lírico onirismo e suas demasiadas vozes. Sensações aguçadas. Contrariando dogmas, em todas as partes de minha língua predomina o doce. Devo pintar as paredes do purgatório caoticamente, gritando, derramando sobre elas toda a poeira da rotina. Não comi o bombom, tampouco parei de tentar me enfebrecer. Ponho os dedos sobre o pescoço apenas para senti-lo pulsar e, então, certificar-me de que ainda estou viva e de que assim quero permanecer.

domingo, 9 de maio de 2010

Eu passarinho

Após semanas presa a seus próprios joelhos encolhidos, a moça dos cachos rebeldes voou. De cabeça para baixo, deitada no sofá azul anil, olhou o céu e o movimento que o vento por ele traçava, balançando as árvores e desprendendo destas folhas de todas as cores. Levantou-se num movimento despojado, dançou pelo chão frio e espalhou-se por toda a sala. Sentiu suas células vivas respirando. A brisa lhe soprou a face, como que num sussurro, dizendo-lhe: "O que realmente importa". O marcador fosforescente ressaltou palavras de feitos revolucionários, e a música ao fundo puxou o centro de massa, a concentração expressiva. Era hora, passava da hora; misturado à bateria e violino ouvia-se o tic tac do relógio. Sentando-se no parapeito, os cachos da moça olharam para o amarelo dormente do sol. A lembrança do coelho branco de olhos vermelhos subindo no balanço de seu inconsciente lhe deu certeza, e ela, pulando, guiou-se pelos pós cósmicos do infinito, rumo à primeira estrela da tarde.

domingo, 2 de maio de 2010

Sobrepor

Cá escrevo, da minha inércia soterrada. Não li o suficiente para criar uma personagem decente, cheia de problemas e conflitos para provar-se humana. Ao sol, estão meus livros empilhados sobre papéis amassados e com cheiro de coisa velha. Soa forçado... Até mesmo quando se fala de morte. Era domingo; nas palavras inocentes de um menino morre um homem e, simultaneamente, uma abelha que, atraída pelo doce, caiu no copo de refrigerante. Enquanto o inseto se debatia inutilmente por entre as bolhas do gás que subia, tocavam as pombas fúnebres e mórbidas da incredulidade. A abelha queria comer. O homem decidiu pela morte ao sofrimento. Era a natureza tomando seu curso, ao que diriam alguns, "Uma ova!". A quantidade do que se vê é grande, e os fatores acabam por se misturar... O corpo humano, com toda sua fragilidade, faz beleza e deixa em transe. A composição harmônica das linguagens expressivas e o céu azul visto de cima tornam-se algodão doce e o oceano. Parece cruel deixar de lado. Mil palavras poderiam ter sido derramadas, mas temos aqui um mísero registro. É a tal ordem natural do Universo, e meu eu-lírico tornando-se minha própria personagem.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Bainha de Mielina

Tudo que já senti veio de mim, minhas percepções são apenas minhas, e tais lembranças só podem me pertencer. Máquina.
Veio-me: o físico e o abstrato, certa vez cheios de vida, eram agora bucolismo, rituais incontáveis de mesmice - ou estou apenas repetindo repetindo repetindo o que li.
Nada é único pra sempre. A unicidade é relativa, contrariando meu próprio dogmatismo. Anuladas, a variável e sua dona estão presas à gaveta que as guarda. Não há tempo. O mundo pertence ao Angry Mob e não ao umbigo que lhe deu origem. As ausências assombram a noite, e o planejamento foge ao plano...
Frases de efeito não trarão de volta a suposta felicidade espontânea que diferenciava o ordinário azul do ordinário sem cor (não preto, mas branco, provido de cores indistinguíveis).
Borrões, ligeiramente reconhecidos por um tacodegentecegacujonomeéapenasmaisumadaquelaspalavrasinventadasparafacilitaradescriçãodeobjetosquaisquer, não confortam. Quero espancá-los. Sumam daqui, nômades indesejáveis. Sua falta de consistência leva à falta de segurança ao pisar na segura grama.
Ternos ambulantes, sem mentes à altura de seus cortes bem desenhados, não imponham a passagem obrigatória das horas. Cabe ao não-eterno x, por hora oculto em suspense, decidir seu próprio valor. Quero viver meu vinte e quatro de março de dois mil e dez, e todos os outros dias adiante deste, sem o sacrifício de nenhum.

terça-feira, 2 de março de 2010

Dúvida

Por motivo particular do Universo, deu-se a repetição simultânea ou prévia de fatos em outra dimensão. A visão era do passado sendo, naquele momento, gravado, e de rostos desconectados um do outro, porém importantes. O menino estava à frente, e à sua diagonal esquerda traseira, a menina, ambos sorrindo verdadeiramente para a câmera, que traçava um movimento vertical lento e contínuo. Tocava uma música íntima, profunda, que deixou de tocar não se sabe quando ao certo. A câmera, de seu movimento ininterrupto, atingiu o céu azul coberto por pipas de cores indefinidas contornadas pela luz do sol. Mostrando repentinamente o futuro ou o presente, a visão direcionou-se ao mar, com ou sem a filmadora. Três moças com as águas pelas cinturas davam-se as mãos de olhos fechados, concentradas na brisa que soprava do outro continente, ou possivelmente em algo mais intenso que isso. A moça do centro tinha longos cabelos ruivos. Um golfinho preocupado veio até elas e lhes alertou para saírem imediatamente dali. Mudando suas expressões faciais ao ouvirem o conselho do golfinho, correram para as areias e observaram tantos outros animais, cães, gatos, pássaros, todos negros, correrem para fora do mar, em desespero. Troca de realidades, ruptura.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

If i didn't exist as me, I would exist as someone else.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Café com canela

De repente, aquela árvore tão torta e específica pela qual passo todos os dias a caminho do meu infeliz destino tornou-se apenas mais uma árvore. O cheiro misterioso de coisa doce vindo não se sabe de onde se misturou à poeira no ar que respiro. As diferentes cores que enxergo através de minhas lunetas ordinariamente castanhas perderam a tonalidade. Uma agonia alucinante substituiu minha sensibilidade. Minha razão tamanha, fragmento consciente de mim, tenta organizar fatos drogados. Falha. Trata-se de um trabalho menos lógico. Todas as palavras ditas sentam-se ao redor de uma mesa redonda em meu cérebro e disputam por uma vitória de sentido cabível à situação, mas isso nunca me deixa mais feliz. Há briga e gritaria, e quando me dou conta das rédeas está tudo explodindo boca afora, tudo fica pior. Preciso de um espelho de memória. Lembrar dos finais de tarde e do amor pelos animais, incluindo você. Colaborar com o equilíbrio.

The world might be ridiculous, idiot, selfish and ignorant, and the people might be all just dead, but I'd rather be a part of it.
I wouldn't die for you. Dying is too easy. I'd live for you. Life is fragile.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Innermost being

Once, there was this creature with no name. She wondered the skies and walked through her neighborhood to contemplate life. Suddenly, her body started to disappear, and she was becoming a soul without shelter. People she used to pick flowers for didn't recognize her existence. Her lack of stomach was making her sick. A inner soundtrack took place for the sounds of the world.

Seu café estava esfriando da chuva molhando a janela. Estava sentado há horas, estagnado sempre, sem andar e com previsões nulas de qualquer movimento adjacente de seus sentidos. Tudo se fazia assustador. Crianças louras que se deleitavam em riso, cada ruído saído de cada máquina não-humana e de cada máquina viva, as cores acinzentadas pela energia natural. Era molhar-se ou saber como manusear um guarda-chuva, ficar do lado de dentro por muito mais não era opção, as portas estavam semicerradas. Observar a vida certamente não é o mesmo que vivê-la, mas lhe parecia tão mais seguro... Escrever leite em superfícies quaisquer com substâncias variadas em situações de observação não movimentaria suas patas primitivas já cansadas para fora dali.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Oposição

Acordei com ressaca do meu choro irracional. Não estou alegre, mas hoje as coisas estão mais passíveis. Acordei com rabiscos surgidos de momentos de plástico em minhas pernas não mais tão brancas. Tudo provém de períodos de instabilidade e necessidade do afeto, eu jamais poderia morar dentro de um iglu. Nada tem que fazer sentido. São frases mal escritas e mal distribuídas num pedaço, quisera eu, de papel. As palavras não estão vindo com facilidade como de costume, estão magoadas comigo, ou estou magoada comigo mesma. Odeio reações extremas e exageradas, a falta de controle de mim sobre mim vem tarde. Não sei como lidar com faltas. Harmonia não me faz sentido há anos.

Eu.