domingo, 17 de agosto de 2008

Só há um tempo verbal

Estava apenas andando pelo gramado. Andando, sem propósito. Sem destino. Andando e olhando para frente, ao redor, sentindo cada passo que dava, sentindo o chão ser empurrado para trás com a força de seu próprio corpo, que lhe impulsionava. O céu estava iluminado pela maior estrela do sistema, os seres vivos estavam agradecendo e comemorando a vida, as pessoas estavam fazendo diversos movimentos simultâneos, as nuvens moviam-se lentamente e quase imperceptivelmente. Um sorriso sorrateiro foi inevitável naquele momento. Ali, naquela hora exata, refletiram-se lágrimas.
A sensação era incrível. Preocupações haviam se transformado no poder de observar tudo que acontecia. O sopro do vento, o caminhar da formiga, um raio de sol passando por entre duas árvores próximas, um cachorro defecando, pessoas de mãos dadas, gargalhadas. Haviam, de fato, coisas acontecendo, milhares de coisas ao mesmo tempo, só ali. No mundo, tudo estava acontecendo. Tudo.
Aquele era um dia comum, que no entanto de comum nada tinha. É um paradoxo desnecessário, visto que não existem dias ou momentos comuns. Ele havia descoberto isso agora, nesse momento. Seu coração o dizia, sua mente estava concentrada apenas nos movimentos, no segundo. Não pensava no que aconteceria, no que aconteceu, no que acontecerá. O único tempo verbal que seu cérebro podia reconhecer era o presente.
Só a respiração era necessária, nada mais. Não precisava de tudo aquilo para sentir-se feliz. Era a jornada que o trazia esse sentimento, e não o destino. Ele era o momento, o presente, o agora, o ali. Sorriu novamente.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Cor de céu

Nada mais nada menos do que movimentos. Diversos tipos de movimentos, um distinto do outro, porém todos realizados com o mesmo intuito: transmitir, relatar, expor, notificar, organizar.

Meus olhos encaravam o céu lá fora. Estava azul como de costume, a essa hora do dia. Limpo de nuvens que instigam minha imaginação, apenas um azul muito... Muito azul. Daqueles que te ofuscam, te comprimem, te sugam. Meus pensamentos e minha alma se perderam por ali, como se voassem junto aos pássaros que atravessavam a paisagem. O que estava ao redor não me importava, o imenso me hipnotizava, não conseguia parar de observá-lo. Quase me levava aos outros sentidos do corpo, como se aquele azul tivesse gosto, gosto de um sorvete azul com gosto de azul. E as lembranças iam brotando diante de mim, internas. O céu por fora, as lembranças por dentro, a luz do dia no rosto.
Meus olhos geralmente ficam claros quando iluminados. Eu estava usando um rimel que curvava os cílios. Gostaria de poder vê-los, vê-los através dos de outrem. Essa coisa engraçada provem-nos o privilégio de observar este mundo, e ainda assim... Tolas. É isso que elas são, as pessoas.
Meu alvo era apenas um. Subi no banco para perder o equilíbrio, propositalmente. Cair de uma maneira surpreendentemente forjada viria a calhar. O universo estava a minha frente, esperando por mim. A vontade que tive foi deixar-me ir, soltar-me, ser levada pela brisa, entrar naquele azul, onde tudo seria mais tudo e nada seria mais nada.
Cansei-me deste lugar. Gostaria de poder sair. Mas, bem, não há outro lugar para ir. Ou há? Bem, há. Aonde me leva o céu azul. Não para fora, mas para dentro, onde reinam as cores e o preto-e-branco. Comecei a mover-me, exceto pelas pálpebras, que não ousariam fechar-se.
Aquela espécie de transe era permanente, não passava. Quanto mais tempo eu ficava ali, mais profunda era a viagem. Pensamentos filosóficos, inspiração, indagação, admiração. Tristeza, alegria, vazio, cheio. Queria chegar ao topo da pelagem do coelho branco.
Esqueci-me das minhas aulas, da matéria. Esqueci-me da feira de domingo. Esqueci-me do meu celular sem bateria. Só não me esqueci das pessoas, que não pareciam estar alojadas em um lugar acessível, modificável. Estava apenas no começo de...

- Rá, te peguei!

Caí. Não caí apenas do banco, caí do penhasco que estava a minha frente. Não sei para onde fui, e, na verdade, não quis e nem quero saber. O importante é que fui, que não fiquei. Que as coisas fluem. As coisas vão. Creio que havia chegado a minha hora de ir. Talvez pro hospital, talvez pra dentro de mim, talvez pro céu.

Adivinhe de que cor eram meus olhos.