terça-feira, 9 de novembro de 2010

Sucessão

O Sonho.

Fui dormir com o dia amanhecendo, mas eram onze e tal. Os raios dum sol invisível num fim de tarde pouco provável lotaram meus olhos de luz.
De onde vem o movimento das coisas verdes?

A Consciência.

Pelo português, não levo o queijo gorgonzola a sério. Pelo masculino do nome, não consigo levar-me a sério. Intensidade pouca, não sou assim como me escrevo. Sou simples e boba, gasto meu tempo com inutilidades pouco sensíveis e depois, vendo-me no espelho como tal figura, choro pateticamente aos pés dos meus sentidos, suplicando-lhes que me sirvam. Procuro estímulo qualquer, tudo é melhor que não sentir. "Hold on to your emotions". Choro não porque sou mulher, não porque sou adolescente, e nem porque sou humana; é em pedido desesperado da verdade em mim.

O Descerrar de Olhos.

Possuo muitas coisas frágeis. Simultaneamente quero quebrá-las e zelar por elas. Estão ali, aos montes, distribuídas por estantes num quarto bem iluminado, deixando que a luz as atravesse e mostre-lhes a transparência. Um empurrão e lá se vai o feitiço irritante de sua fragilidade. Felizmente, o arco-íris do sol que as estupra me hipnotiza e certifica que devo protegê-las. São bonitas demais para desaparecer. Beleza melancólica, que provoca sorrisos sorrateiros de leveza e lágrimas repentinas de saudades diversas. Provoca também a pieguice daqueles que escrevem. "Life is happening everyday, all around".

O Erguer do Corpo.

As certezas são falhas, os motivos faltam e a cachoeira despenca violentamente na serenidade do rio colorido pelas pedras amareladas debaixo dos peixes.
Ao que os olhos negros observam com uma atenção frenética e imóvel. Os ouvidos ressoam as moléculas de água guerreando com naturalidade. A brisa tem cheiro de folhas recém-amadurecidas e desgrenha um ser vivo supra-grenhado. Já era tempo, já era espaço.

O Primeiro Pé.

Pare um pouco. Tire a bateria do seu relógio. Respire e escute a reação do seu corpo.


quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Dor - mente

Era uma segunda-feira com jeito de domingo. Despertei de um sonho mal dormido com uma sensação borbulhante de febre e dores corporais. O almoço estava quase pronto e saco vazio não para em pé - não que eu fizesse questão de sustentar meus ossos pesados sobre forças fracas.
Limpei o envelope, esfreguei o cérebro com sabonete para peles sensíveis, a água me escorreu azul. Saí acompanhado de alguém que me transferia uma dureza útil, porém amarga e cansada. Ainda assim, acariciava-me a mão com a sua. Dicotomia engraçada.
Chegamos, encontramos um sujeito que me era conhecido e sentamos a esperar entre conversas envergonhadas e sem sentido. Nada fazia sentido.
À medida que o tempo se arrastava, meus motivos iam tentando me escapar pelas esquinas. Reclamação, impaciência, incômodo, dúvida. Ali, a única coisa que me envolvia firmemente era a angústia; o resto descia pelo ralo como a água do chuveiro que havia a pouco me lavado.
Fui, então, na súbita ausência de uma alma que me acompanha por toda a vida, chamado. Entrei, prepararam-me. Era um ritual de passagem. Sentei-me em posição fetal, e então a fragilidade do mundo modificável de uma criança para nascer me tomou por completo. Meu corpo estava sofrendo uma segunda moldagem, dessa vez presa a uma inerente e amadurecida dor. Sofri. Repeti minhas razões por efeito, conversei comigo mesmo. Senti duas mãos presenciais tocando-me, fazendo misturar-se energia humana e energia naturalmente artificial.
Sangue e suor, acabou. Levantei-me tonto e cambaleante, vi meu reflexo e sorri um sorriso de três metades: metade intrigado, metade questionador, metade aliviado. Estava agora, sob minha pele em tinta preta, a concretização da realização.