segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Domingo

Ruído inconsciente, real e sonolento. Janela, bom dia, casaco cinza e cara de baunilha. Croissant com geléia de amora e café com samba. Cortina rosa perto das notícias no rádio. Antares, a estrela maior que o sol e o lugar das antas. Guitarras que hipnotizam e palavras. Desenvolvimento musical pessoal. Abraços fraternos, caminhadas e sustos. Atos de gente livre repletos de simpatia alheia. Nostalgia, graças. Moeda e pedido na rosa de John Lennon. Fotos de gente que fez história. Canto despreocupado movido por instrumentos vivos em meio a gente que não entende. Linhas invisíveis que dividem coisas flutuantes e sem parâmetro. Investimento espontâneo sem mágoa. Cheiro ilusório de chuva. Pressentimento enganoso e psicológico. Sorriso que compensa tudo, tênis com detalhe azul. Esquerda e direita de difícil remoção. Castanha. Árvores e luzes estratégicas, lago e luzes refletidas. Compreensão mútua, conversas. Carinho e cappuccino, batata frita e molho de queijo. Conclusões surpreendentes, câmera invisível e astrologia. Completude. Tempo, barata, boa noite. Chocolate. Bloco de notas, ainda não terminou.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Caminhando por extremos

Uma quietude observadora repentinamente tomou conta dos olhos dele. Todos, seres hipoteticamente inanimados, lançavam sorrateiros sorrisinhos por aí afora, indiscriminadamente. Eles pareciam felizes, pensou. Felizes de uma fingidez individualista, muito consciente e incrivelmente contraditória. Passos lentos, sentidos atentos, senso de percepção incomum. Luzes acesas e luzes apagadas nos cérebros de todos eles, o hábito de acendê-las e apagá-las. A parte mal iluminada, devagarzinho, vai se tornando mais cômoda. É mais fácil fechar os olhos onde já não há luz, não há mero resquício de nada. Quando parou, percebeu que esteve caminhando para qualquer lugar durante um tempo que tropeçava entre horas e minutos. Quando se torna um número imaginário e entrega-se o máximo que conseguir ao idealismo, não se reconhece mais no mundo. É uma escolha. Transitar entre o claro e o escuro talvez fizesse sentido, se é que se pode dizer que coisa alguma o faz. Pôs uma bala na boca, estalou os dentes, sentou-se ao banco que delicadamente brotou à sua frente. Perdeu-se na fugacidade subjetiva do claro para logo se encontrar na objetividade medíocre do escuro.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Lua oposta ao Sol

Fui tomada, de repente, por um pequeno fluxo de consciência. Sempre duvidei das palavras, sempre senti falta delas como se, na verdade, nunca estivessem comigo. Eu estava andando por um longo caminho aparentemente retilíneo, cujo fim ou ausência dele eu não podia perceber. Meu corpo físico movia-se enrijecido pelo espaço, aquele lugar onde a Terra deitava, adormecida, brincando com o tempo sem se importar. Estava frio, era a falta de você. A Lua, pregada ao céu, límpida, redonda, fosca, com uma magnitude sombria e mística, transparecia uma incompetência inexplicável. As cores misturavam-se atrás dela, tornando-se uma coisa só, maleável, de uma profundidade incontestável. Oposto a ela, numa precisão assustadora, o Sol brilhava de um brilho cego, superior, infinito. A luz da manhã nunca me dá fotofobia, a sensação de uma coisa que cresce, não só no céu, mas dentro de mim, é confortante. Eu, por segundos esgotáveis, estava no centro do Universo, era ele que estava ao meu redor, estava inserida nele egocentricamente, como se minha alma e tudo que a acompanha fosse maior. Talvez seja. Nós estávamos virados de cabeça para cima. A Terra, daquele pequeno ponto sem dimensão, estava conectada a duas forças grandes demais para ela, tão grandes quanto o que prende nossos pés ao chão. A fluidez desequilibraria a situação, como é de se esperar. Viramos, e então meu caminho se inclinou e me deparei com um penhasco pelo qual deveria despencar. Continuei, sentindo algo não me deixar sofrer uma queda brusca e mortal. A Lua é transformista. Estou cercada de consciências muito mais deslumbráveis do que pequenos fios prateados que atravessam pedaços sólidos de mim, no início e no fim do dia.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Parte microscópica da problemática

Bruna sempre havia sido uma sonhadora, daqueles tipos caóticos e bonitos, que vivem a olhar as estrelas de pernas pro ar. Quer dizer, não de pernas pro ar, "o vestido vai descer!", matracava seu pai, careca e resmungão. Calça, nem pensar, menina era feita pra usar vestido, pra casar e pra aprender os pontos de costura. Afinal, "a mulher nasceu do osso torto de Adão, e alguém que nasceu de um osso torto jamais pode se endireitar", já diziam os padres metidos a sabichões. Bruna cresceu ouvindo tais barbaridades e represálias, e as tão desejadas asas de voar ficavam sempre presas em sua imaginação encantada. Liberdade era algo muito distante da realidade do mundo, e não só do mundo de Bruna, mas do mundo mesmo, aquele que gira sem parar ou que para sem que notemos. Ainda bem que gira e que é discreto em suas fugas do dever de girar. Quem sabe o movimento rotatório da Terra ou a falta de percepção da falta dele dê uma chacoalhada nas idéias ordinárias e limitadas do pai de Bruna e faça com que elas escorram-lhe pelos ouvidos e permitam-lhe, quem sabe, que deixe de separar seres humanos de demais seres humanos. Caso contrário... A vida de Bruna se tornará efêmera, triste, tudo ficará ali do lado de fora, esperando pela mente brilhante do indivíduo único e criativo que nunca virá e que se perderá na eternidade.