Provido de achismos, ouso dizer que tudo que temos é essa tela rabiscada, cheia de pinceladas coloridas e despadronizadas. Digo também que dentro de nós não há espaço para guardá-la. Por conseguinte, somos criaturas dotadas de expressão. Não que as outras não sejam, mas nós, através de recursos infinitos, procuramos reproduzir nossa tela interior, diferentemente das almas menos coloridas e mais puras, seja isso bom, seja isso ruim. Precisamos de lápis, instrumentos musicais, todas as articulações que nossos corpos possuem, e, acima de tudo, palavras, mesmo que as tornemos aparentemente irrelevantes. Sendo no íntimo de um caderno secreto, sendo num megafone mobilizador de mentes eufóricas, nossas palavras pretendem nos traduzir, ou ao menos a metade traduzível de nós. Julgo-me escravo das palavras, não vivo mais sem o auxílio da concordância e coerência semânticas. Elas me ajudam a ser, com tudo que tenho direito, um emotivo e tumultuado humano.
Gato.
Gato.
Um comentário:
Verdade, gato não precisa de palavras, nem de pinceladas coloridas, seja ela modulada, pontilhada, tracejada.
Talvez seja mais simples ser um gato. Mas nem sempre o mais simples é interessante. Telas indefiníveis tem a sua magia. Ainda que a maioria das cores sejam escuras.
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