Subitamente, num momento pouco propício de carícias e chuva do céu, notei que amar já não me era intrínseco. Encarei as luzes deslocadas do mundo que girava e me deparei com a razão e a capacidade de trabalhar. Sons abstratos, instantâneos, fracamente intensos ecoaram por debaixo de minhas pálpebras suavemente fechadas. Era tarde demais, o cansaço em seus múltiplos sentidos havia me tomado por completo. Segurança é reconfortante, mas não mais me conforta. Angustia meu pequeno coração e o faz desritmar-se. A melancolia de devaneios sombreados pelo azul escuro do pano que nos encobre perdeu-me em suas dobras. Palavras bonitas continuam a me alimentar, desde que nasci, de seu seio materno. O eterno corredor da branca sala de espera sugou-me a sensibilidade. Não quero irritar-me por beijos sinceros. Amigo vento que há anos mudou-se para o outro lado, volte e traga consigo aquela luz singela que arranca manifestações verdadeiras de minha alma. Mexi nos cabelos, abri um bombom, voltei a escrever. Não sou poeta, idiotismo não convém à minha paranóia. Se agora caminho pela trilha errada, não sei qual há de ser a certa, mesmo prostrada a meus óculos frouxos e tortos. Não quero mais fascinar-me por criaturas apenas em meu lírico onirismo e suas demasiadas vozes. Sensações aguçadas. Contrariando dogmas, em todas as partes de minha língua predomina o doce. Devo pintar as paredes do purgatório caoticamente, gritando, derramando sobre elas toda a poeira da rotina. Não comi o bombom, tampouco parei de tentar me enfebrecer. Ponho os dedos sobre o pescoço apenas para senti-lo pulsar e, então, certificar-me de que ainda estou viva e de que assim quero permanecer.