Sou um menino. Talvez grande, talvez pequeno; a presença dos meus anos não me muda a situação: estou para aprender a ser mau, na condição de criança preenchível, ou estou desaprendido de sê-lo, na condição de homem magoado. O que faz diferença, a saber, é que sou lúcido.
Mantenho o costume de caminhar desacompanhado de gentes. Gentes convencionam-se a não gostar do silêncio e do vento, e o vento com seu silêncio pós-explosivo é o único que me abre as penas. Ando pelo céu porque o mundo existe na relação do bicho humano com o mundo. O céu não pode ser conceituado e nem legislado por cores. Não compactuo com metáforas: a terra é simples.
Quando voo desatento, porém, algumas pedras dão por me atingir. Gosto de acreditar que tudo não passa de um terrível engano. Os bichinhos urbanus devem ser alérgicos a pedras. Os filhotes, principalmente. Devem acreditar que o azul do céu é como uma grande boca, que vai engoli-las para longe. Afinal, criaturas que existem sabem como é existir. Certo? Mas às vezes as pedras machucam.
Num dia iluminado demais para que eu enxergasse com clareza sem óculos escuros, voava sorrateiro, meditando para o Sul. Sem aviso, uma pedra ríspida bateu em uma de minhas asas. Doeu como um coração que incha e, de tanto inchar, fica grande demais para quem o povoa. Nem mesmo sei se aquelas patinhas frágeis e magrelas poderiam tê-la lançado com tamanha veemência. Tonto, caí até o chão, procurando por resquícios de autocontrole. Restabeleci-me na grama, sentindo-me pesado e ridículo. Os riscos da vida são bonitos, mas podem nos levar a infortúnios de tal sorte. Minha escolha, porém, é entender que tudo é construção e possibilidade. Eu sei da alergia dos pobres bichinhos. Eles não têm culpa.