sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A cidade construída em uma depressão


           Estava sentado na praça daquela cidadezinha, num banco meio apodrecido, esperando o dia passar por mim. Meus olhos entorpecidos de algo como sono pós-almoço e noites acumuladas ouviram pássaros gralhando, preferi fechá-los para o silêncio. Há doze horas que você foi embora, e as velhas vísceras que te entreguei em mãos foram contigo. Não sei como viver sem as vísceras que, certa vez, foram minhas. Saí de casa cambaleante de moleza, sem algo que me sustentasse o corpo, e caminhei em qualquer direção que não me deixasse dormir para sempre. Sentei-me no primeiro banco que veio a meu encontro.
A luz do sol esquentava minhas pernas descobertas e gritava: tem sangue dentro de você; mas a vitalidade que me preenchia por dentro já não era vantagem, era um incômodo. Você foi embora há doze horas. Quando desenvolvi uma nova tentativa de enxergar um mundo pálido, uma mulher em tom pastel, quase que revestida de papel pardo, encontrava-se parada exatamente do outro lado da rua, me encarando de perto, como se pudesse entender a cor de meus olhos. Sua expressão seria de serenidade se não fosse, antes, de apatia. Ficamos atados num laço invisível, compartilhando consciências emocionais. Era um recado, que ela queria me passar? Tinha cheiro de recado. Daqueles importantes que vêm poucas vezes na vida. Um recado, naquele momento e lugar em minha vida, era um sopro forte no rosto, como de uma criança apagando vela no aniversário dos amiguinhos.
Quando ela sumiu, notei-me como um ponto de respiração na terra. Todo ponto de respiração carrega suas dores, e então deixei de perceber – não pude me lembrar se algum dia percebi - como o sol me atingia, porque os pássaros gralhavam, de onde vinha aquela brisa rala que só eu conseguia notar em meio ao mormaço do estar isolado numa bolha. 

4 comentários:

Mute. disse...

sou sua fã. só.

wanessa g. disse...

Descrição maravilhosa.

Renato disse...

Ótimo!

Danna Lua disse...

Não consigo explicar a sensação que os seus textos me causam. é algo ao mesmo tempo interno e externo, como se pairasse. é mais ou menos o meu diafragma se contraindo, e o resto se preenchendo de laranja, daí o laranja transborda pra fora do meu ventre. Tem alguma coisa encima da minha cabeça também, suave.