Peças de roupas amarrotadas cobriam partes confusas de meu corpo confuso. Meu tato estava fresco, meu paladar saturado, minha visão cansada, minha audição musical, meu olfato sóbrio e todos os meus outros sentidos resolveram acordar. A certeza da efemeridade e o medo do apego combinaram-se ao frio do dia quente e à necessidade de rabiscar. Catando uns biscoitinhos na cozinha e desejando que fossem de doce, saí pela porta dos fundos para que ninguém me visse, pisando de leve na branquidão do jardim. Um piano silencioso acompanhava meus pensamentos estupidamente melancólicos. Sem poder tocar instrumentos imaginários para não parar o piano e com a consciência de que meu estômago estava se expandindo vagarosamente, ignorei o proibido e soltei meus cabelos cor de fogo para que arriscassem liberdade. Queria pensamentos inéditos, algo nunca antes imaginado, eu não tinha mais paciência para a pertinência dos outros seres humanos, por mais que a necessidade de qualquer um deles, naquele momento, fosse eminente para acalmar os cavalos de dentro de mim. A escuridão natural acalentava meus olhos pesados e minha cabeça cimentada. Entrei no grande bosque sem caminhos predefinidos e corri para dar as mãos à meu velho amigo vento, o ar que eu havia perdido e deveria tratar de encontrar. O sumiço de todos os animais (inexistentes, alimentados por minhas expectativas) me deixou nervosa, agitava e revoltada por ter de fazer coisas que não quero. Seu rosto me aparecia em todas as árvores, secretamente elas se transformavam em você e eu as abraçava como se fossem fruto de um encontro repentino no meio de uma noite sem estação. O não-saber de um futuro bonito e dramático estava estreando uma peça em mim. Com tinta branca, tomei nota da epifania do momento em meu caderninho mental: são fatores biológicos associados à costumes indevidos, e não anseios incontroláveis de uma alma eternamente colorida. Voltei pra debaixo do meu cobertor de plumas caídas.
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
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3 comentários:
Conexão especial com esse texto.
Eu ainda sim prefiro sempre pensar que são anseios incontroláveis de uma alma eternamente colorida. Me faz gostar mais da minha vida e de continuar vivendo. Me dá vontade :)
Fran, adoro textos assim, que relatam o interior dos personagens, com sues conflitos.
De todos os seus textos que já li, esse foi um dos que mais gostei.
Beijos!
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