terça-feira, 21 de junho de 2011

A terrible sunday

- Você vai se levantar e vir conversar comigo ou prefere continuar escondido por trás desse seu livro estúpido de piadas?

Não é um livro de piadas, pensei. É um Woody Allen. E não é só porque leio uma crônica por noite que estou me escondendo. Muito menos fugindo, fugindo jamais. Eu sei da vergonha que sinto ao iniciar sentenças pelo pronome que me é de direito. Vejo todos os dias a idiotice da situação. Sei que finjo acreditar na complacência com a solitude, e que na verdade sua gêmea má, a solidão, acaba por me confundir. Sou tão frágil! Não quero sair falando sobre as minhas faltas. Preciso acreditar no lado bom da moeda. Chorar a invisibilidade é para fracos. Sou invisível, pronto! Só aceitar. É bom que ninguém perceba o borrão no espelho, bom que ninguém o segure entre as mãos. Excelente que ninguém se disponha a entrar pelo buraco da fechadura. É entendível, todo mundo tem medo de lugares estreitos. Entendo bem meu lugar no gosto, mas também no dispenso. Sei que a segurança da existência está nos limites de meu próprio corpo e não fora dele. O cuidado comigo é meu, porque só eu conheço a insensatez de minha fragilidade. Quem notaria um contorno de tons azuis flutuando num espaço caótico e cheio de distrações? Quem captaria fragmentos de cor e pó que o vento pode, a qualquer momento, soprar? Quem se sujaria de partículas, tatearia o que não se vê, amaria um amontoado de humanidade? Meu livro partilha comigo palavras de um ser humano incrivelmente distante. Isto deve bastar. Aos que me reconhecem a sombra... Não entrem na caverna, não vale a pena. A logos vital permanecerá no pote de vidro, lendo livros. Não, eu não quero conversar e abrir mão do meu espaço de único leitor.

- Vai continuar me ignorando?

Sim, incômodo. Você é só uma sujeira de umbigo recorrente no homem moderno. Frustrações estão em alta. Eu não estou fugindo, estou apenas guardando a dor para mais tarde.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

A Maresia de um Lago


É difícil viver uma experiência que não te ajuda a ser você. Ter uma percepção abstrata de uma realidade distante não é o mesmo que existir ali, em contato bruto com a matéria da vida. Estou sentada por debaixo do conforto dos meus cobertores, escrevendo nas páginas de meu velho caderno vermelho. Enroscado nos mistérios de El Salvador, caminha um ocelot, gato selvagem das florestas e savanas. Dormindo no sofá azul de meu apartamento, está Elvis Presley, meu gato doméstico. Não sinto por perto o denso aroma da cultura Maia. Estou em frente ao meu computador, usando pijamas. As águas azuis e as luxuriantes florestas estão apenas nas fotografias do meu imaginário. A sensação de crescer num país onde os negros africanos passaram de minoria discriminada para maioria dominante me é desconhecida. De Isabel, conheço a princesa que nos libertou da escravidão. Isabel II é a rainha da Jamaica, que para mim só se tornou Monarquia na sexta-feira passada. Meu mar é o Lago Paranoá. Vejo gente rezando de inércia, programada pela catequese. Os jamaicanos rezam com música e com o cabelo bagunçado. A Costa Rica está em erupção de vulcões que queimam pontinhas do meu cérebro. Segurança pública não lhes falta, embora tenham abolido seus exércitos. Nunca vi um vulcão e não temo sua instabilidade, mas tenho medo constante de carregar meu ipod na bolsa.
Ainda assim, meu estômago entra em revolução quando leio sobre ditaduras e guerras civis. Os direitos humanos estão por dentro, como bichinhos que moram na barriga. A morte desses bichinhos não atinge apenas aos refugiados. Percebo-me como parte de alguma coisa metafísica, uma condição de existência que rompe o plano do tato. Carrego comigo a mesma mistura de gentes, o mesmo hábito de tomar café e a mesma imponderabilidade de florestas tropicais. Partilho da construção histórica de colônia, do título de exportadora de açúcar, dos problemas de violência endêmica e dívida externa. A distância, às vezes, é relativa. Conhecimento nem sempre se relaciona a conhecer, mas a uma sensibilidade extracurricular. A realidade, no fim, é a de um mesmo mundo que capta, constrói e cultiva orquídeas no quintal de casa.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Weight of the World

Havia algum tempo, eu caminhava por entre as sombras de árvores imponentes. Utilizava-me de meus outros sentidos na busca por abrigo. Os sons suaves dos bichos da floresta me mantinham acordada, impedindo-me de desmaiar. O cheiro das frutas silvestres alimentava-me as lembranças. A chuva me fazia ainda sentir. O gosto da terra me localizava no mundo. A impossibilidade de desistir - desexistir - me separava da fraqueza desenvolvida por minhas pernas.

Vi, então, um ponto brilhante no longe.

Fui correndo de ofuscada, não pude conter meu corpo desesperado. Tropecei no chão antes que pudesse me dar conta do vazio e caí vertiginosamente de um penhasco imponderável.
As moléculas do meu organismo entraram num processo de dissociação, perdendo-se umas das outras como a umidade se perde em orvalho. Desfiz-me no ar em poeira elementar, virei a parte solitária de um todo que eu não merecia. Eu não era - eu era nada.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

A êxtase do gerúndio

Ser é diferente de estar sendo.

Time and Space

O cobrador do ônibus era um homem mais velho, calculei seus cinquenta e cinco anos. Carregava consigo olhos tediosos e pacíficos que procuravam se distrair pelo mundo. Olhou para mim algumas vezes, enquanto eu me anestesiava com os pássaros que dançavam Johnny Flynn nos meus ouvidos. O Sol estava por cima deles, lhes fornecendo energia de noites bem dormidas. Eu estava tonta de respirar e contrair meu corpo. A tontura me relaxou num sono delicado. O cobrador do ônibus me viu.

(As coisas estão sincronizadas. Não estou sentada na posição correta e um tufo do pêlo branco de Elvis Presley voou por cima das minhas retinas).

Corri para alcançar o tempo e resolvi que o dia não pode envergonhar-se de ser, porque o passado é a memória do presente e o futuro é só um holograma. Você alega: meu umbigo tem licença para borbulhar! O motorista passou por você e não parou, eu sei... Somos pequenos demais, mas entenda. Eu não seria caso não fosse eu. Você sentiu vergonha, vi sua cabeça abaixando, vi seus olhos inquietos na possibilidade dos observadores. Lembrei-me que minha mãe volta tarde, e que a solidão não é pontiaguda, não é cortante, ela arranha só pra acordar. Não precisa fingir que você sentiu raiva, porque "o sentimento é a excelência de si". Um motorista perfurador de almas é também motivador de crises existenciais e comprova a teoria da pluralidade do mundo. Todo mundo é igual no constrangimento de existir.

É bonito perceber que eu durmo na posição de descansar e descanso na posição de ter preguiça. Ajuda a entender que sou torta, e que ser assim às vezes dói - sempre vai doer. Doeu quando apertei minha coluna contra a dura realidade, mas "cada um é um si". O silêncio pode ser compartilhado com o próprio silêncio. Trocar com alguéns é um incômodo quando nunca controlamos vontades. É difícil ser um estorvo na arte de compartilhar. Abrace a fragilidade, oras. Todo mundo é igual no medo que tem de todo mundo.