- Você vai se levantar e vir conversar comigo ou prefere continuar escondido por trás desse seu livro estúpido de piadas?
Não é um livro de piadas, pensei. É um Woody Allen. E não é só porque leio uma crônica por noite que estou me escondendo. Muito menos fugindo, fugindo jamais. Eu sei da vergonha que sinto ao iniciar sentenças pelo pronome que me é de direito. Vejo todos os dias a idiotice da situação. Sei que finjo acreditar na complacência com a solitude, e que na verdade sua gêmea má, a solidão, acaba por me confundir. Sou tão frágil! Não quero sair falando sobre as minhas faltas. Preciso acreditar no lado bom da moeda. Chorar a invisibilidade é para fracos. Sou invisível, pronto! Só aceitar. É bom que ninguém perceba o borrão no espelho, bom que ninguém o segure entre as mãos. Excelente que ninguém se disponha a entrar pelo buraco da fechadura. É entendível, todo mundo tem medo de lugares estreitos. Entendo bem meu lugar no gosto, mas também no dispenso. Sei que a segurança da existência está nos limites de meu próprio corpo e não fora dele. O cuidado comigo é meu, porque só eu conheço a insensatez de minha fragilidade. Quem notaria um contorno de tons azuis flutuando num espaço caótico e cheio de distrações? Quem captaria fragmentos de cor e pó que o vento pode, a qualquer momento, soprar? Quem se sujaria de partículas, tatearia o que não se vê, amaria um amontoado de humanidade? Meu livro partilha comigo palavras de um ser humano incrivelmente distante. Isto deve bastar. Aos que me reconhecem a sombra... Não entrem na caverna, não vale a pena. A logos vital permanecerá no pote de vidro, lendo livros. Não, eu não quero conversar e abrir mão do meu espaço de único leitor.
- Vai continuar me ignorando?
Sim, incômodo. Você é só uma sujeira de umbigo recorrente no homem moderno. Frustrações estão em alta. Eu não estou fugindo, estou apenas guardando a dor para mais tarde.