sábado, 29 de janeiro de 2011

Cálcio

Pode até ser que eu esteja caindo na mesmice. Nem sei, mas pode ser. Isso, no atual ritmo da respiração do meu pulmão, pouco me importa. Meus bronquíolos estão se lixando. O que lhes falta é o ar essencial.
Achei que meu corpo fosse forte o suficiente para conciliar sua diversão e seu sustento. Não é. Eu e minhas próprias mãos devemos esfaquear meu tronco torto, não para tirar a vida do que quer que lá dentro viva, mas para abri-lo verticalmente num buraco profundo. Coisas precisam entrar e coisas precisam sair.

Fazia um sol semi-frio dentro do cansaço dos meus olhos poucos. Ossos precisam de cálcio para que não desabem veias e artérias frágeis, rompíveis. 

Exercício da óbvia dialética da informação

O mundo palpável transfigurou-se numa superficial máquina de informações. Lançá-las e capturá-las é parte de um processo tão mecânico que nem mais absorvê-las parece necessário. O consumo de informações de funcionalidade secundária é dono da importância?
Esquecemos-nos que somos, somos seres. A todo momento, em todo lugar, todos estão cheios da energia misteriosa e transparente que flui liquidamente. Senti-la é a importância de existir.
Informações são poeiras que nos ocupam a racionalidade, preenchem o objetivo em nós. Os sentidos, porém, nos ocupam a existência e arrepiam os pêlos dos nossos braços. Notar as notáveis cores que podemos cheirar é absolutamente mais absoluto que forjar-se numa vivência morta baseada em conhecimentos desconhecidos de uma verdade verdadeiramente instável.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Coragem

Falta verdade na ignorância confiada. Na atenção dada ao terceiro olho. O auto-reconhecimento é a base de todas as relações energéticas das nuvens que andam no céu. Não existe duplicidade. A vida, agora, é uma só para cada um de nós. Projete consequências. O futuro é o próximo presente. A escolha por aprender a lidar com o circundante engrandece o espírito.

Corpo Infinito

Não era uma vez só, a velha egocêntrica. Era muitas e repetidas vezes seus calos no pé esquerdo e joanetes dos tempos ruins. O hedonismo de sua ranzinice não abria espaço para que o Sol nas costas a invadisse a pele, o corpo, a coluna debilitada de idade. Ela recusava a cadeira de rodas com a mesma instabilidade que uma criança recusa um doce. Sair da cama era um conjunto de dias chuvosos, e por si só um amontoado de filmes russos e arrastados. O inspiro surgiria apenas quando o corpo fosse ao chão e as cores fossem ao cosmo. Se eu fosse poeta diria que ela se tornasse estrela. Sou sofrido, pois digo que ela morra. Com força e mais de uma vez. Não nego a certeza do infinito corpo. 

Ordinário

Se eu tivesse me sentado por debaixo do despencar de uma cachoeira teria algo pra te contar. Se tivesse suficiente coragem pra dizer causos de romance sem me sentir ridícula... Só pela palavra, vê. Vêm aqueles calafrios. Se tivesse salvado alguém. A verdade é que não vivo experiências à altura da quantidade de tinta nas minhas canetas pretas. Carrego comigo apenas meus olhos frágeis, meu corpo turvo e um edredom amarelo.

Era almoço e eu estava sozinha. Sozinha. Diante de mim um grupo incômodo ria alto. Alto demais. Ecoantemente alto. Não quero uma alegria dessas. Prefiro ser triste, nem que seja numa tentativa porca de me convencer. Não sei se estou com sono ou com uma nostalgia magoada. Uma mágoa nostálgica. Culpar o passado não convém, mas é tão conveniente... Ele insiste em acusar-se. Acusa-se preconceituosamente.
Vai aí uma dose de auto-crítica?
O pior é que eu conhecia algumas daquelas pessoas. Amigos de amigos, conhecidos de conhecidos. Impressões levam o verbo 'preocupar-se' a lugares abomináveis.  

sábado, 1 de janeiro de 2011

Cosmonauta

A parte possivelmente visível dos planos cosmo-sensíveis divide-se em três níveis psicossomático de percepção e funcionamento.

O chapeuzinho da laranja:
Certa vez no espaço e no tempo, numa esfera fogosamente congelante que flutuava pelo Universo, houve um evento engraçado chamado vida. Os resultantes bichinhos ambulantes e não-ambulantes infectados  desenvolveram-se, cada qual a seu ritmo, e tornaram-se concomitantemente cheios de frescura. Sinapse pra lá, circuito nervoso pra cá, ideias permeáveis escorrendo dedos afora pra acolá. Uma lenga-lenga que, através de signos linguísticos arbitrários determinou: complexidade é sinônimo de superioridade (ai, a burrice!). Então deu-se início à organização e dominação da praga do rei dos bichinhos frescos. Foi instaurado um sistema de regras cuja essência deveria ser coercitivamente internalizada pelo filhote ainda transparente e desprovido de cores. A normalidade e a anormalidade, o café e o leite, a moral e a anarquia, o câncer e o cisto, o esquerdo e o direito, o padre e o pastor, o indivíduo e o todo. É o reino das dicotomias ritualísticas que, dessa forma, apossam-se da tampinha da laranja.

O miolo e as sementes do miolo:
A grande consciência, dividida em minúsculas e inúmeras partes dependentemente independentes, subitamente enfoca sua majestosa existência na própria dúvida de existir. A mente é o filtro. As cores passam por redes inventivas astronomicamente diferentes, por cada semente do miolo da laranja. Uma coisa só não é uma coisa só. O invisível comunica-se com o visível, e então os bichinhos frescos e vidas menos exigentes surpreendem-se com o evento cósmico nada casual de cada indivíduo viver unicamente de uma única vez.

A ponta de baixo - o Fim e o Começo:
A poeirinha fisicoquimicobiológica explodiu e aí aconteceu a cabeça do alfinete, o material, o captável. Acolher a grama é como acolher as nuvens ou bichinho qualquer transeunte de G(M)aya. Aquilo que é palpável é inalienável e uno. Tudo é a mesma coisa. O cabelo é o céu e o gosto de sorvete é o nariz do gato que ronrona a música dos cometas que percorrem o inalcançável alcançável através do vento e do cheiro doce de lobina.

Carta de Artemis

Justine,

Escrevo-lhe apenas para lembrar-lhe. Lembrar-se é inefavelmente importante.

Felicidade excessiva é como dor de estômago, mas respirar o mundo e sentir-se ligado à terra é essencial para amar sem se perder.

Esse medo que me empurra as lágrimas e meu almoço tardio pela garganta me afasta da nobreza do espírito das partículas cósmicas; elas tentam, mas tornei-me temporariamente impenetrável. A dura epiderme endureceu desse medo transfuso em uma necessidade empática de sentir a c(d)or dos outros antes da minha. Queria passear pelo bosque de bétulas da conhecida mulher amora para enxergar através de seu corpo frágil e poderoso. O doloroso desapego viria como consequência da neve simbólica que cobriria a transfiguração do dito cujo sem enterrá-lo, mas apenas transformando-o em outra coisa que não um peso sem nome e sem pudor.
Cuidado com a vertigem.

Cuidado com o medo de si e de suas próprias palavras. Da insuficiência.

Estou há meses sem alimentar-me da minha percepção. Assim, sem caminhar compassadamente com a minha aura. Compasso é a representação do meu número um.

E você, como está?

Artemis.