Parei de sentir meus dedos no momento em que pisei fora de casa. A câmera nova que instalaram no elevador me intimidou. Caminhei cortando o frio e o escuro com a esperança de não sentir-me tão sozinha ao sentar-me comigo mesma num dos cafés mais movimentados que conheço. Ou de encontrar alguém. Um rosto cuja rostidade me era melancolicamente familiar. Devia ter-me deixado tomar pela euforia que senti ao te ver pela única vez ali, me perfurando a alma como se a tivesse visto crescer. E eu me comportando como se não fosse assim. Sentei e pedi um capuccino, o barista - que um dia havia me dado um chocolate quente com caramelo para que o café não me tirasse o sono - não se lembrou de mim. O líquido trocou calor com meus órgãos e então pude me lembrar da vergonha que senti quando te reconheci por completo. Não obtive certeza mental de sua identidade, mas uma certeza sensível. A experiência de contar pássaros e observar besouros há onze anos foi que me voltou. Arrepiei-me sem o frio que hoje fazia. Não sei se senti vergonha da situação, vergonha da passagem do tempo por dentro de nós, ou se senti medo do teu poder infindável de dilacerar meu espírito. Esse poder ainda me atingia da mesma forma que fez sorrir os oito anos dos meus olhos. Tive medo do caos do universo, que nos convergiu aqui naquela quinta-feira, há exatamente duas semanas. Tentei mudar de página, reiniciar um texto, escrever minha crônica de turista, mas não pude. Minhas palavras só queriam sair para a lembrança tua. Nunca mais ouvi de ti e muitas vezes tentei te achar pelas ruas. Você foi uma aparição, percebe? O frio está desolador, pedirei a conta e vou-me embora. Não sei se volto aqui. Talvez volte todas as quintas-feira que se seguirão a esta. Nem mesmo sei se você se lembra de mim. Mas teu espectro, saiba você, me despertou para a existência de alguma coisa essencial. Lembrei-me da força pura e inerente que pode conectar dois seres humanos acima deste mundo. Por isso, obrigada.
F.